Retornando
Esta, quando retornou, não tinha nem um dedo de água.
Visivelmente renovado, o trio meteu o pé e desceu batido.
Quanto a mim, parece que só porque me dei conta que não tinha mais água, comecei a sentir uma sede louca. Junto com a sede veio o esgotamento. A última parte da pernada até o Refúgio foi longa. Mas quando lá cheguei, ocupando um pedacinho do banquinho de madeira, fui recebido pelo russo com uma enorme caneca de chá quente. Pensando bem, os cara foram legais e souberam retribuir minha camaradagem. Eles deviam estar desesperados sem água e eu sabia o que era isso.
Agora eu esperava minhas roupas secarem ao sol, sentado no banquinho e voltava a observar o movimento. Também namorava uma velha corda de 10 mm que era usada pra amarrar umas armações metálicas e imaginava como ficaria bem somente um ou dois metros dela como cabo solteiro para a segurança nos cabos de aço… Era por volta de 11 da manhã e eu decidia o que fazer. Não queria encarar mais 4 horas de descida sozinho para o Refúgio Tete Rousse pela parte que seria a mais complicada e perigosa, no cansaço que eu me encontrava, sem almoçar e sem dormir direito, depois de quase dez horas de escalada. Decidi comer alguma coisa no refúgio, dormir aquela noite ainda ali e descer no dia seguinte pela manhã.
Enquanto eu me secava ao sol, e consertava com fiapos de nylon de uma velha corda o meu dispositivo caseiro contra o acúmulo de neve dos meus crampons feito de câmara de ar e arames, reparei em um trio de mulheres que conversavam em inglês e francês com outros alpinistas. Uma delas me chamou a atenção pelas belas pernas musculosas que a calça azul justa de lycra deixava aparecer.
Sentei em uma grande mesa vazia, no canto, junto à janela para observar o espetáculo que as nuvens proporcionavam, enquanto eu esperava para ver se alguém faria alguma refeição ou se viriam me atender. No dia anterior, eu havia visto escrito no quadro negro que o cardápio era espaguetti por 15 euros. Eu havia achado um absurdo por um prato de macarrão, mas no dia seguinte, já sem nenhum miojo, biscoito ou coisa parecida e com uma fome de leão, eu já achava bem razoável pagar isto por uma refeição.
O pessoal da cozinha começou uma movimentação, alguém começou a desenhar num quadro verde com giz branco, vários retângulos. Em cada retângulo, uma lista de palavras e no final, um grande número. Nove, Dez… Imaginei que aquilo fosse algum tipo de cardápio com preços. Até que estava relativamente barato. As alpinistas que estavam lá fora, adentraram então o salão e, um pouco desconcertadas, se sentaram na mesa onde eu estava. Eram 18 horas e o salão começava a encher para o jantar. A menina que estava mais próxima a mim, começou a puxar assunto em inglês e me distrai com a conversa. Ela disse que elas eram de Londres e que ela tinha morado três meses em Belém do Pará para um estágio de biologia. Sabia também algumas palavras em português. A inglesa perguntou quem era o meu guia e eu lhe disse que estava sozinho e, por este motivo, apreensivo com minha descida. A menina então ofereceu para que eu me juntasse ao trio. Elas escalavam juntas e tentariam o cume naquela madrugada com retorno previsto para 9 ou 10 horas da manhã ali no Gouter para descer para o Tete Rousse. Quando percebi, alguém já havia trazido pratos para todos na mesa e eu perguntei à essa inglesa como eu fazia para pedir comida para mim. As meninas fizeram como que para eu não me preocupar e me deram um prato e talheres. Logo fomos servidos com um prato contendo uma fatia de queijo Rockford pra cada um. Quase nem mastiguei o meu. Mas quando a sopa começou a ser servida, parece que chegou mais alguém para sentar à mesa e não havia lugar. Foi então que uma francesa de estatura baixa começou a contar as pessoas na mesa e falando comigo em francês mesmo, perguntou o meu nome lá do outro lado da mesa. Foi, voltou e começou a gritar para que eu saísse de lá.
– Go out! Go out! – Gritava, gesticulava e apontava pra mim.
Completamente atordoado, perguntei se era comigo, perguntava o porquê e tentava entender o que acontecia. Por fim, depois que todos no salão já assistiam a cena, saí da mesa conforme a mulher ordenava. Ela me levou até o quadro verde e onde consegui entender que eram nomes. Ela tentava mostrar que meu nome não estava lá.
Eu repetia “I didn’t know”.
A mulher me mandou falar com um homem que, de dentro da cozinha, me atendeu muito nervoso também.Perguntou onde eu havia dormido e respondi que eu dormira em cima da mesa. Ele então me cobrou 25 euros por esta pernoite ao que eu retruquei: