Mont Blanc

Mont Blanc, Fácil e Perigoso

Mont BlancEu mal acabara de ler o “Sobre Homens e Montanhas” do Krakauer e me vi mergulhado na exata atmosfera de Chamonix, descrita em seu livro da década de 90. Esta pequena vila cercada por muralhas de montanhas respira escalada. A todo instante alpinistas passam por suas ruas bonitinhas e apinhadas de lojas de aluguel e venda de equipamento de montanha. Além das próprias montanhas, cachoeiras, geleiras e pistas de esqui que se descortinam ao fundo entre um prédio e outro.

A vontade era de ficar o dia todo nas maiores lojas, olhando ou comprando equipamentos que no Brasil são tão difíceis de encontrar, quanto mais ao preço razoável que lá possuiam. Mas eu precisava aproveitar os dois dias de tempo limpo no meio deste chuvoso verão que fazia na Europa.

montagem_chamonixDepois de comprar um capacete, uma lanterna de cabeça, uma calça de fleece e dois mosquetões, eu e os tchecos Bedřich e Lubiča fomos correndo procurar o teleférico que eu tinha como informação de ponto de partida para iniciar a subida da montanha.
Eu separava algumas coisas na mochila, enquanto Lubiča foi procurar se informar, já que ela entendia um pouco de francês. Lubica é a mãe da família tcheca minha amiga e que me deu uma super carona proporcionando uma grande viagem de carro por 1200 quilômetros cruzando os alpes e os países Áustria, Alemanha, Itália, saindo da República Tcheca até chegar a França.

Bedrich é o pai da família e junto com Lubica me tratam como se eu fosse um filho. Insistiram para me levar com o pretexto de tirar umas férias. O pessoal lá viaja a Europa inteira de carro e obviamente a viagem foi muito mais interessante e bela do que se eu pegasse um avião ou um trem.
Quando me aprontei, Lubica veio com uma informação diferente da que eu tinha. Seria necessário pegar um trem para Nid d’Aigle saindo de uma cidade distante 25 minutos dali. Achei estranho mas não discuti pois teríamos justamente esse tempo até o último trem sair e lá fomos correndo.
Bedrich tem um temperamento meio explosivo e praguejou um pouco em tcheco a correria. Lubica traduzia o pra mim discretamente, pois ele não falava inglês. Lá chegamos e travamos um louco diálogo desesperado com a atendente da agência que vendia passagens para o trem e que só falava francês e italiano. Lubica entendia um pouco de francês mas não falava quase nada. Eu tentava falar inglês, espanhol, portugues e Bedrich boiava totalmente e resmungava algo em tcheco! O último trem havia partido ha 20 minutos, às 16:40. Colhi algumas informações. descartei a idéia de sair andando dali por umas 5 horas até Nid d’Aigle. Lubica perguntava com certa insistência o que eu faria e me sugeria que eu partisse no dia seguinte pela manhã. Respondi que iria colher mais informações, analisar o mapa que a mulher da agência me dera e depois decidir. Bedrich depois ficou me chamando de índio, pois eu tomava decisões calmamente em meio à pressão.
Enquanto estavamos na porta da agência, chegaram mais três montanhistas tchecos e conseguiram arrancar da mulher uma informação quase confessada do teleférico de Les Houches, o qual eu intentava desde o início.Lá fomos para Les Houches e chegamos a tempo de que eu embarcasse, já que o último teleferico subia às 18:00. De lá eu andaria algumas horas até Nid d’Aigle.

Começando a andar

Estava eu já no teleférico, me despedindo do casal tcheco. Alguns minutos depois o bondinho subiu reto rente à íngreme encosta coberta de pinheiros e desapareceu no branco das nuvens que tampavam o céu e o topo das montanhas. Paguei 12 euros por esta viagem de ida e volta e procurei guardar o bilhete com cuidado para não perder e ter que descer a pé. Economizei 8 euros da diferença do bilhete do trem que ia até Nid d’Aigle, mas em compensação, eu teria que pegar uma trilha que encontrava o trilho do trem e caminhar um trecho acompanhando este trilho.
Descendo do teleférico, me informei a respeito do melhor caminho e peguei uma trilha bem à esquerda que logo se revelou muito bonita, bem definida, toda florida e margeada por paredões rochosos. Não apresentava dificuldade nenhuma, quase nenhuma inclinação e tirei várias fotos das flores do caminho.
Dois outros montanhistas de aparência nórdica, que vieram comigo no bondinho, se distanciaram num ritmo mais forte. Em certo momento, o caminho cruzava uma ribanceira pelada de vegetação, tal qual um desmoronamento.
Antes de viajar, colhi algumas poucas informações com conhecidos que já haviam estado lá. Todos elas me falaram que era uma escalada fácil. Conversando com Cíntia Daflon, tive a sua opinião, bem realista: “Fácil, mas era preciso estar com o psicológico em dia”. Então eu já estava me preparando psicologicamente para enfrentar abismos aterrorizantes, por isso, não tive maiores dificuldades em passar por este trecho da trilha, bastando não dar muito atenção para o que estava do meu lado esquerdo e continuar com um passo depois do outro.
Trilha Mont BlancMais um pouco de trilha e cheguei no trilho do trem que subia com uma inclinação maior, serpenteando a outra face da montanha. Do lado direito agora, os abismos se escondiam nas nuvens abaixo. A névoa escondia também o final da linha férrea, fazendo com que eu não conseguisse estimar o quanto eu subiria. Depois de longas dezenas de minutos e duas curvas, me deparei com um túnel e uma placa proibindo a passagem através dele. Como eu sabia que não havia mais trem aquela hora, atravessei sem medo pelo escuro e gotejante buraco na rocha. No meio dele, um outro buraco formando um túnel menor perpendicular fazia a ligação do tunel principal com o exterior, deixando entrar luz. Imaginei que fosse alguma saída de emergência para o pedestre no caso da vinda do trem. Ainda atravessei mais um túnel antes de dar de cara com a estação final do trem: Nid d’Aigle.
TúnelLá encontrei um alpinista solitário terminando de armar a barraca ao lado de uma cabana onde deveria funcionar uma lanchonete. Comprimentei-o e puxei assunto. Era um tcheco que escalava sozinho também. Ainda passou pela minha cabeça me juntar a ele, mas nenhum dos dois tinha corda, não seria mais seguro, então decidi continuar andando até onde aguentasse ainda naquele dia. O ideal seria chegar no Refúgio Du Goûter para, no dia seguinte, tentar o cume. Eu tinha quase certeza que o dia seguinte seria limpo e sem vento, conforme a metereologia, mas quanto ao posterior, já não tinha tanta certeza assim. Enquanto enrolava, lanchava um dos sanduíches do pesado pão tcheco com queijo e pimentão, preparado por Bedrich e conversava com o montanhista, o sol começou a sumir no horizonte. Era por volta de 21:00 hs e fomos contemplados com luzes, brumas e paisagens indescritíveis. A montanha nevada, após o glaciar Bionassay, tomava um tom rosado. Para completar, ainda pude ver pela primeira vez um cabrito montês que, a pouca distância, deixava-se fotografar em meio a uma névoa alaranjada, e que deixava tudo com um ar meio mágico. Não acreditava na minha sorte e não poupei o cartão de memória da minha câmera.
Quando escureceu, me despedi, para surpresa do alpinista, em tcheco, e segui a direção de uma placa, começando a subir por um caminho fácil, mas íngreme, com grandes pedras.

Caminhei até meia-noite e resolvi dormir pelo caminho mesmo. Escolhi uma grande pedra que pudesse me abrigar de qualquer vento que viesse a aparecer de noite e arrumei meu isolante e saco de dormir de forma que eu conseguisse deitar do jeito mais confortável possível num terreno coberto por grandes pedras.

Mesmo que eu tivesse barraca, seria muito difícil armá-la naquele lugar.

Decidi ir sem barraca pois, a princípio, eu escalaria com Márcio Carrilho que estaria na França na mesma época que eu e a quem convidei. Mas por um pequeno desencontro nas datas, Márcio não pôde ir. Ele que levaria a barraca. Achei melhor não comprar lá, pois não vi nada tão barato assim e que valesse a pena. Por via das dúvidas eu levava uns 60 euros caso precisasse passar a noite no refúgio Du Gouter.

A noite foi tranquila, sem vento e iluminada por uma bela lua cheia. Dormi como mais uma pedra.

Deixe uma resposta