Escalaminhada
No dia seguinte, acordei com o dia já claro e vi o alpinista tcheco já a uns 200 metros acima de mim, caminhando pelas pedras. Arrumei minhas coisas e deixei alguns objetos, que achei que não fosse precisar, escondidos dentro de uma toca, nas rochas. Larguei o tripé grande da câmera, o fogareiro MSR – não tivera tempo de comprar benzina-, roupas limpas, etc. Filip, filho de Lubica e Bedrich, me emprestara um fogareiro a gás que eu agora usaria. Avistei mais cabritos, desta vez, mais distantes, não sei como, mas eles estavam no meio de uma parede digna de um bom escalador. Como se não bastasse o fato de eles estarem escalando um terceiro ou quarto grau com quase 90 graus de inclinação, ainda iniciaram um embate com cabeçadas ali mesmo no meio da parede, até que o perdedor desceu aos saltos pela rocha. Comecei a andar e logo encontrei um refúgio de alvenaria à esquerda do caminho, que imaginei ser o primeiro abrigo Tete Rousse. Havia uma placa com algo escrito, mas não consegui enxergar. Bati uma foto de longe mesmo para depois ampliar e ler. Havia também um outro cabrito ao fundo do abrigo. O caminho agora ficava íngreme e por vezes estreito. Em alguns pontos mais críticos havia corrimãos de cabo de aço. Como eu já ganhava altura e em alguns trechos, uma terra fina no chão fazia escorregar um pouco, achei melhor sacar o piolet, para usar no lugar dos bastões, que eu não levara. Não quis levar os bastões, que eram da marca francesa Quechua, pois imaginei que pudesse comprar um novo par mais barato em Chamonix. Caso não encontrasse, não achei que pudessem fazer muita falta, uma vez que antes de viajar ainda ouvi de umas duas pessoas que o Mont blanc era mole. Agora, muito mais do que ficar pra trás em relação ao pessoal que caminhava com bastão, eu sentia insegurança com a falta do equilíbrio que os bastões proporcionam. Se a pequena casinha lá embaixo era o refúgio Tete Rousse, esse trecho que eu galgava deveria ser a parte complicada de que eu ouvi falar, mas eu não via nenhum desmoronamento de rocha e realmente não estava difícil. Mas começou a aparecer cada vez mais neve e eu sem crampons, cuidando para pisar nas pegadas previamente deixadas para não escorregar, confiava inteiramente no meu piolet cravado na neve ou apoiado no solo. Em dado momento, o caminho fazia uma curva abrupta para a esquerda e nessa curva, tinha uma pequena inclinação. Sentindo dificuldade para vencer esse pequeno lance, com a bota de trekking escorregando no terreno coberto de neve, resolvi analisar o que aconteceria caso eu escorregasse. Olhei para trás e vi um abismo de secar a garganta a menos de 20 centímetros de onde eu pisava. Não pensei duas vezes, era hora de calçar os crampons.
Procurei um lugar fora do caminho para sentar, onde eu pudesse calçar as botas e os crampons. Tirei a mochila das costas e tratei de deixar tudo preso por mosquetões, me certificando de que nada rolasse abaixo. Enquanto eu estava ali sentado, passaram umas vinte pessoas por mim. Quase todos sem crampons e, como eu estava ali naquele ponto crítico, por pelo menos duas vezes, vi alguém escorregando, parar na beirinha do precipício e senti minhas tripas contraírem. O negócio era tão sinistro, que pensei em ficar ali com a câmera, só esperando pra documentar uma tragédia. Mas um a um, continuaram a passar encaixando as botas com solado de borracha nas pegadas já feitas na neve para não escorregar. Pelo menos a maioria usava os bastões de caminhada.
No topo da parede, cheguei num grande platô de neve com um refúgio gigante, tal qual um hotel, no fundo e uma parede de rocha e neve à esquerda. Aquele deveria ser o Refúgio Du Gouter e eram 11 da manhã. Eu poderia utilizar uma estratégia alternativa para escalar aquela montanha. Eu havia lido relatos de ataques ao cume começando nesse horário para culminar às 18:00 hs, consequentemente evitando possíveis multidões de alpinistas no topo e no caminho.
Enquanto eu cruzava o platô, um homem se aproximou de mim e me saudou com as informações de que eu não poderia mais fazer “bivac” a partir dali. Se eu quisesse acampar, aquele era o último lugar. Expliquei ao cara, que eu não iria acampar e tentaria o cume direto. A pessoa então me disse: “OK, guarde suas coisas no armário do refúgio e suba direto e leve.”.
“Opa, legal, minha idéia não é nenhum absurdo.” Pensei.
Mas quando me aproximei do refúgio, li decepcionado numa placa: “Refúgio Tete Rousse”.
Que diabos… Que porcaria de casinha era aquela antes? Agora estava explicado por que tinha aquela parede de rocha e não rampas de neve em direção ao cume. O Refúgio Du Gouter estava encravado no topo da nova parede.
Dirigi-me para o caminho traçado na neve, tentando enxergar por onde ele continuava, mas só conseguia enxergar uma língua de neve que descia quase do topo da parede e por onde o caminho cruzava horizontalmente. Depois sumia nas rochas.
Não demorei e eu já me encontrava nesse ponto.
Eu já utilizava baudrier, tinha dois mosquetões, mas sentia falta de uma solteira, fita, corda pra me atar aos cabos de aço por segurança. Passei um mosquetão no furo da ponta do piolet e agora podia clipar o mosquetão nos cabos, já que o piolet ficava preso ao meu punho por uma correia. Era melhor que nada.Cinco horas e 650 metros de altura depois eu chegava ao Refúgio Du Goûter.