Vulcão Osorno

A Escalada Solo do Vulcão Osorno

Volta

Voltei-me para o lado de onde eu vim e desescalei o balcão protegendo-me com duas ancoragens tal qual na vinda. Cruzei a greta e me aproximei da borda do vulcão esperando ver uma longa rampa por onde eu desceria.Mas eu me aproximava da beirada e não conseguia ver a rampa, que para vir, me pareceu muito mais suave.Quando finalmente pude avistar a parede, da borda, me dei conta do quão íngreme ela era e temi a desescalada. Quase me senti um gatinho idiota que sobe na árvore e fica com medo de descer. Nessa hora, agradeci por ter tomado a decisão de trazer a corda! Armar rapeis era mais demorado, mas seria a opção mais segura, além de oportunidade de praticar algumas técnicas de ancoragem na neve e gelo. Achei mais prudente do que desescalar aquela parede de neve fofa e derretida e pus me à árdua tarefa de cavar uma “ferradura” na parte plana que eu me encontrava. FerraduraA ferradura é um canal com no mínimo 20 centímetros de profundidade para que a corda possa ser passada de forma que no final do rapel ela possa ser recolhida, puxando por uma das pontas. Foi a ancoragem mais sólida que produzi… Mesmo assim não arrisquei trancos na corda nem pendurei todo o meu peso nela e desci desescalando, protegido de algum possível desequilíbrio por este rapel.No final do rapel, eu ainda estava na parede e, após recuperar a corda, precisei armar uma nova descida. A primeira me tomou 20 minutos de escavações e como eu estava num ponto mais inclinado, preferi fazer um “abalakov” com o parafuso de gelo. Depois de cavar a neve fofa para achar gelo mais sólido, atarraxei o parafuso de gelo duas vezes, de forma que o final destes pequenos túneis assim construídos se encontrassem no fundo. Enfiei um cordelete num deles e com um arame previamente preparado com uma pontinha em forma de anzol, pesquei a ponta do cordelete pelo outro furo e atei as duas do lado de fora. Com esta amarração na neve podre, passei a corda pelo cordelete e continuei a desescalada. DSC05585No final do segundo rapel, preparei mais um abalakov e no final do terceiro encontrei duas colunas de gelo sólido e cristalino da grossura da minha canela. Simplesmente passei a corda ao redor das duas e assim alcancei o pequeno platô de onde iniciei a escalada. Continuei caminhando, agora seguindo os passos da dupla, que ora contornavam as gretas, ora cruzavam as mais estreitas. Minha corda não tinha tratamento contra umidade e estava encharcada. Para evitar carregar um peso a mais nas costas eu deixava uma ponta atada à minha cadeirinha e o restante vinha arrastando pela neve ao longo de sessenta metros. Isso me dava um pouco mais de sensação de segurança em caso de desequilíbrio, pois na descida eu temia muito escorregar, já que freqüentemente eu andava em rampas que terminavam a poucos metros da borda de grandes gretas. Cruzei uma destas impressionantes fendas num desses momentos. A rachadura no gelo não tinha mais do que 40 cm de largura, vencidos facilmente com um passo, mas a profundidade dela era assustadora e não consegui avistar o fundo.

Rapel
Rapel

Seguindo o tênue rastro deixado, tomei um caminho mais longo, mas que evitou a área de desmoronamento além de poupar cruzar umas grandes gretas. Mal acreditei quando o glaciar terminou e pisei meus crampons em terra e rocha vulcânica! Bem a tempo de pegar os últimos instantes de claridade, antes de cair a escuridão de vez. Agora bastava seguir uma trilha marcada, sem perigos de gretas ou quedas. Eu ainda me encontrava bem alto, mas a exaustão física e um dia inteiro de tensão me convidavam a algum tempo de descanso ali mesmo. Deixei meu equipamento num canto e procurei me aninhar da melhor forma. A noite estava agradável, sem vento e muito estrelada. Não demorei a adormecer.Acordei tremendo, com frio nos pés e nas mãos e estranhei. As minhas luvas estavam molhadas, tudo bem, mas não ventava, talvez o contato direto com o chão ou a proximidade do glaciar. Ainda tentei dormir mais um pouco, mas logo cheguei à conclusão de que o melhor seria retomar a minha descida e reuni meus equipamentos e comecei a andar meio contra a vontade. LagoDepois de quase uma hora descendo, cheguei na grande pedra que continha uma placa em homenagem a dois alemães falecidos ali e imaginei que ali seria melhor pra continuar meu cochilo, por ser mais baixo e relativamente abrigado de qualquer brisa pela grande rocha. Dormi aproximadamente mais uma hora até novamente acordar com frio. Novamente coloquei minha mochila nas costas e segui meio cambaleando de sono. Comecei a lembrar de que eu encontrei esta trilha subindo pelo meio dela, depois de subir por um pedaço de neve e comecei a procurar com dificuldade na escuridão por referências ao meu redor. A descida demorava muito, a poeira levantada por mim as vezes turvava minha visão com a luz da lanterna de cabeça e eu já desconfiava que passaria do local onde estava minha barraca e o resto de minhas coisas. Não deu outra. Depois de muito descer, cheguei numa servidão que eu não lembrava de ter visto. Larguei a mochila no chão e andei até o final dela, para a direita até encontrar o trecho de neve que eu subira e entendi que meu acampamento estaria a uma ou duas horas acima, nessa língua. Totalmente fora de cogitação subir este trecho todo, quase às quatro horas da manhã, só para passar algumas horas dormindo na barraca. Eu já havia descido muito e deveria ser mais quente ali para dormir. Novamente fiz do chão a minha cama e acampamento. De vez em quando eu acordava com frio e tentei remedia-lo com um cobertor de emergência que estava todo podre, já sem a camada refletiva e esfarelava quando eu tentava abri-lo. Embrulhei-me naquele “papel celofane” e usei dentro de uma das luvas, um “esquenta mãos”. Uma espécie de sache com uma substância química que, fora de sua embalagem, aquece em contato com o ar. Revezava o saquinho uma hora em cada luva, pois o outro que levei estava ressecado e não aqueceu.Acordei definitivamente quando a claridade da manhã já preenchia o dia e esperei até que rapidamente o sol chegasse a mim. Espalhei minhas roupas e equipamentos ao sol e aguardei menos de uma hora para que secassem. Deixei tudo que eu não iria precisar ali mesmo e comecei a subir em direção do local onde largara a barraca e o resto de minhas coisas. Lá chegando, coloquei tudo na mochila cargueira e iniciei a descida. Aproveitei para poupar meus joelhos e desci escorregando sentado pela neve, freando sempre com o piolet para não tomar muita velocidade. Mas devia ter tirado os crampons, pois em certo momento uma das pontas do pé esquerdo enterrou na neve, fazendo com que minha perna dobrasse enquanto eu continuava deslizando. As pontas então deste crampons esquerdo rasgaram minha calça na parte posterior da coxa, mas não me feriram. Uma das regras para este tipo de técnica ou para treinamento de auto detenção é nunca fazê-los com crampons! Lá em baixo, catei o resto de equipamento e iniciei o restante da descida até o Conaf. Queria chegar o mais cedo possível para dar notícias, pois eu estava há 48 horas na montanha. Mas o escritório dos guardas-parque estava fechado e guardei minha mochila e botas nos fundos da cabana para poder almoçar. Eram 13 hs e eu só pensava na boa comida da estação de esqui.Chegando no restaurante, pedi o maior prato que havia no cardápio, uma tal de Refeição Vulcão, com sopa de entrada, filé, batata, pão, sobremesa. Mas logo que fui dar uma colherada na sopa, senti uma dor horrível enquanto tentava engolir o líquido. Parecia que eu tinha engolido caco de vidro! Fiquei desapontado e atribuí isto aos longos períodos sem beber água e a algum tempero na sopa. Só faltava essa… Uma fome miserável, um monte de comida e eu não podendo comer. Fui ao banheiro do restaurante tentar olhar minha garganta no espelho, mas eu não conseguia ver nada, bebi um gole de água congelante da pia e voltei para minha mesa. Aos poucos, fui conseguindo comer minha refeição e pedi duas garrafas de um suco muito gostoso de pêssego.

Quando volteDSC05615i à cabana dos guardas-parque, encontrei um outro guarda sentado num banco, observando o vulcão com binóculos. Apresentei-me e informei minha descida. Mas me apressei para procurar uma carona. Eu queria conhecer a cidade de Puerto Montt ou até Bariloche. Foi aí que encontrei o senhor que me dera uma carona pra vir. O cara morava justamente em Puerto Montt e me levou até lá! Puerto Montt é uma cidade portuária livre de impostos e comprei algum material de escalada numa conhecida loja chamada Andesgear. Para que estiver por ali, vale a pena a visita, pois se encontra equipamento para montanha com preço equivalentes aos preços mais baratos nos EUA e Europa.Puerto Montt

Na volta ao Brasil, correu tudo como na ida… Três dias no aeroporto de Santiago implorando um lugar no voo.

4 comentários em “A Escalada Solo do Vulcão Osorno”

  1. Olá, não sou escalador, então achei muito interessante o seu relato sobre as belezas do Osorno. Ainda assim, não pude deixar de pensar que essa aventura foi um pouco temerária e arriscada…

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