Quando o rastro no solo coberto por pedras vulcânicas e poeira encontrou o glaciar, passei a seguir marcas de passos na neve. Não eram bem pegadas, pois deviam ser do grupo que subiu no dia anterior, ou mesmo da dupla que eu via quase no cume, e a essa altura o sol já derretia estes rastros na neve. Eram onze horas de uma manhã bem ensolarada, com céu azul. Eu me guiava por uma ondulação que seguia um padrão diferente das infinitas rugosidades naquele mar branco.
Me concentrava totalmente em não sair deste caminho, uma vez que eu estava sozinho e o perigo de cair dentro de uma greta, sem que um companheiro atado a mim por uma corda, pudesse deter minha queda.
As marcas pareciam seguir a rota mostrada nas fotos que estudei, mas em pouco tempo estava eu na borda de uma greta larga e comprida.
Eu imaginava que a rota normal nao cruzasse com nenhuma, mas me enganei. Pelos relatos e informações na internet, dava a entender que somente se saísse do caminho, na descida, a tendência seria caminhar rumo a um campo de gretas avistado desde lá de baixo.
Talvez o guarda parque não estivesse somente querendo me assustar…
Chegando
No dia anterior, eu chegara ao Vulcão Osorno já com o meu ânimo se renovando. Depois de quatro dias visitando o aeroporto diariamente, tentando embarcar em um feriado de carnaval com minha passagem tipo “carona aérea”, finalmente as coisas começavam a dar certo. Depois de três horas procurando ônibus para o sul do Chile, encontrara uma empresa fundo de quintal com assento disponível para o ônibus de sete da noite em direção à Osorno.
Em Osorno, mal desci e já tinha um outro ônibus saindo para Porto Varas. Cheguei nesta pitoresca cidadezinha pela manhã, economizando uma diária de hospedagem.
As pessoas se dirigiam aos seus trabalhos enquanto eu caminhava rumo ao centro, onde tomaria um ônibus até Ensenada. Procurava em meio às casinhas feitas de madeira, algum comércio aberto onde eu pudesse comprar benzina para meu fogareiro e comida para o tempo em que eu estivesse na montanha.
Eram 8:30 da manhã, não encontrei nenhuma loja e eu esperava no ponto, o ônibus para Ensenada. Ele chegou antes que o comércio abrisse às 9:00 e não desperdicei tempo. Talvez em Ensenada eu conseguisse comprar o que precisava.
Ensenada é um pequeno vilarejo espremido entre os pés do Vulcão Osorno e o grande lago Llanquihue, mas não cheguei a conhecê-lo. O motorista, gentilmente, deixou a mim e mais 4 pessoas numa entrada no meio da estrada que seria o acesso ao vulcão. Uma dessas pessoas era um mochileiro que convidei para subir comigo o vulcão. Ele ficou interessado, mas não sabia se conseguiria alugar equipamento e, quando apareceu uma carona para o Vulcão, ele acabou seguindo seu rumo original.
Viajei alguns minutos na caçamba de um utilitário junto com mais um casal, uma criança e bagagens.
O casal e a criança desceram primeiro e, alguns minutos depois, o homem me deixou no meio da estrada, segundo o motorista, faltariam somente dois quilômetros, mas de subida íngreme. Agradeci ao homem e fiz questão de apertar sua mão, me despedindo quando ele tomou uma estrada secundária de terra.
Era muita sorte aquela carona, aquela estrada devia ter uns 10 ou 15 quilômetros de extensão até a estação de esqui e o posto do Conaf, órgão que controla os parques florestais, onde eu me apresentaria para obter permissão para escalar.
Ali, no meio daquela estrada estreita, asfaltada e margeada de árvores, eu me lembrava da serrinha para Itamonte.
Tratei de encontrar meus bastões de caminhada e reorganizar minhas mochilas, prendendo a menor junto à maior, de forma que eu pudesse carregar as duas como se fossem uma. Desta forma pude sentir pela primeira vez o peso que eu levava e não estava leve. Em torno de 35 quilos.
Comecei a andar, estimando o tempo em meia-hora para percorrer os dois quilômetros, mas logo me preocupei quando vi numa casa abandonada, pintadas em vermelho, as inscrições: “Vulcão Osorno: 10 km”
Seriam 10 mesmo? Ou seria 1? A tinta estava em mal estado…
O homem que me deu carona, e que provavelmente morava na região, estaria enganado ou me enganando?
Já fui me conformando em andar mais duas horas de subida naquela monótona estrada – alguém gosta de fazer trekking em estrada? Por mais bonita que seja…
E eu chegaria por volta de 14 horas.
Com sorte haveria um lugar para almoçar ou até mesmo pra e comprar o que ainda precisava. Reparei então muitos veículos subindo e comecei a ter esperança de nova carona, mas a maioria era ônibus ou vans de excursões. Uma hora de caminhada depois, nenhum veículo ainda havia parado. O vulcão se mostrava por inteiro, com seu cone nevado e a floresta que a estrada cortava havia ficado para baixo. Eu já não pedia mais carona, mas mesmo assim uma pick-up branca parou e por alguns instantes eu não soube bem o que fazer. Finalmente subi com dificuldade na caçamba de uma vez só, sem tirar a mochila pesada das costas. Era um carro da empresa de engenharia que asfaltava o trecho final da estrada até a estação de esqui.
Ao chegar, conheci um local com grande infra-estrutura turística, teleféricos, tirolesa, loja, restaurante, uma grande área de estacionamento com vários carros e muita gente circulando para lá e para cá.
Com autorização de um funcionário, deixei a mochila e bastões numa área de manutenção do teleférico e caminhei 5 minutos descendo para falar com o guarda parque, que fica 50 metros depois de um clube de esqui.
Ao entrar na cabana do CONAF, vejo logo uma daquelas plaquinhas afixadas na parede em memória de um adolescente morto na montanha, entre alguns mapas. Um homem entre 40 e 50 anos veio ao meu encontro e me apresentei, explicando minha intenção.
– Quantos vão subir? Perguntou, vendo me sozinho ali.
– Solo Yo! Respondi, tentando explicar em espanhol que meu amigo não tinha podido vir, mas que eu possuía todo o equipamento exigido e mais algum.
O guarda adiantou que era proibido subir sozinho, mas pediu para ver o equipamento, não bastava somente que eu o descrevesse, e combinei então de voltar depois de almoçar.
Relatou pela metade ou não subiu ?
Olá, não sou escalador, então achei muito interessante o seu relato sobre as belezas do Osorno. Ainda assim, não pude deixar de pensar que essa aventura foi um pouco temerária e arriscada…