Chuva e relâmpagos logo acima de nossas cabeças. À medida que subíamos, parecia que entraríamos na tempestade elétrica. A sensação era de estar caminhando para o meio de um tiroteio rezando pra não ser alvo de uma bala perdida. A possibilidade de voltar frequentemente era analisada. A idéia de não precisar resgatar o carro depois de cansados seduzia. Enquanto seguíamos setas e totens que levavam a um caminho que não existia, os trovões e relâmpagos ficaram mais frequentes e violentos. O pessoal insistia em voltar ou nos deslocarmos mais para sul, pro lado dos Portais do Hércules, já que a maioria dos relâmpagos, raios e trovões agora caiam pro norte. Esse também era meu argumento para continuarmos a andar. Eram cinco da tarde e ainda dava tempo de pelo menos achar a trilha.
Estes são os quatro malucos que fizeram a travessia Petro-Tere neste último fim de semana de chuva.
Reparem que ainda estamos felizes, Zeca, eu, Thiago e Manel. Primeira travessia deles e uma das mais sinistras que eu fiz.
Meu fim de semana já estava todo combinado, mas na sexta-feira fiquei sabendo que eles colheram informações na net e mapas no Trilha & Cia., passei algumas dicas, mas resolvi dar uma mãozinha levando-os até o Açu de carro e depois deixando o carro em Terê. Minha idéia era fazer isso a tempo ainda de chegar no Rio sábado pela manhã para encontrar os amigos que iam subir e escalar na Pedra da Gávea.
Como os três deixaram de comprar os ingressos antecipadamente e já saíamos bem tarde do Rio, minha ajuda também se fazia necessária para mostrar o início da trilha.
Achei que daria pra subir o Açu também, mas depois vi que pra dar tempo, eu teria de voltar antes. Resolvi levá-los até o Ajax, mostrar a água, o caminho para continuar e voltar dali.
O que era uma noite limpa virou um branco só com a neblina que desceu e tive o primeiro erro de navegação. Passei direto da água do Ajax.
Como estavam sedentos, reconfortei-os de que no alto do chapadão do Açu haveria buracos na pedra que certamente teriam poças de água. Continuei subindo com eles já prevendo a possibilidade de perder a caminhada e escalada de sábado de manhã no Rio.
A travessia está bem mudada, setas tentam manter o caminhante no caminho correto, que nem sempre é o mais utilizado. Além disso, muitos totens que sinalizavam o caminho foram removidos. Tudo isso aliado ao fato de estar escuro e com uma densa névoa que não deixava enxergar mais do que 20 metros à frente, nos dava a impressão de estarmos andando em círculos, já que volta e meia perdíamos o caminho e nada de se chegar no Açu. O frio já incomodava e às cinco da manhã resolvemos descansar um pouco e nos abrigarmos na barraca em um ponto onde eu acampara na primeira vez que fiz a travessia. Pelo menos eu sabia que estava próximo.
Como eu não planejara nenhum pernoite, minha mochila estava super leve! Sem isolante, saco de dormir, roupas reservas ou comida pra mais do que algumas horas. No início a noite estava agradável, mas eu dormia somente de sunga, minhas roupas estavam molhadas pela vegetação úmida e pelo suor. Passei um pouco de frio e usei um saco de dormir enquanto abriam um outro para cobrir dois.
Às dez da manhã levantamos acampamento e terminamos de caminhar até o Açu. A desorientação da noite passada era tanta, que os garotos achavam que o caminho para continuar agora, era o que usamos para vir. Chegando nos Castelos, tivemos um dos poucos momentos em que pudemos ter uma vista melhor das montanhas ao redor. As nuvens deram uma trégua e pudemos ter um gostinho do visual ao longe da Serra dos Órgãos e do Rio de Janeiro. A cruz do Açu assustou um pouco, quando contei sua estória.
Neste ponto, eu já tinha perdido qualquer atividade no Rio, sábado de dia, e, frente ao receio dos três em continuar a travessia sozinhos, resolvi levá-los e talvez me adiantar somente no final pra tentar chegar no sábado à noite em casa. Os garotos ficaram assustados com a neblina e a sensação de desorientação e pretendiam voltar do Açu mesmo.
Continuamos com dificuldade quando a neblina voltou. Me confundi em todos os pontos possíveis, mesmo nos que eu já havia errado em outras épocas. Talvez só por isso eu consegui acertar. Além da dificuldade de orientação por causa da neblina, estávamos ainda na época de chuvas, época em que não se vai pra montanha, época que a vegetação cresce e some com os rastros do caminho. Frequentemente, nos encontrávamos lutando contra a afiada vegetação. Este inimigo na maior parte do tempo perde a luta, mas deixa suas marcas na nossa carne em forma de furos e cortes. A novidade pra mim foi uma queimadura que eu senti por duas vezes no joelho e canela e achei que fosse algum tipo de urtiga ou picada de marimbondo, já q o local afetado empolava na hora com uma dor aguda. Depois descobri ser uma lagarta amarela peluda. Mesmo após vestir as pernas da calça-bermuda, ainda senti uma queimadura dessas na coxa.
A chuva e relâmpagos estava logo acima de nossas cabeças. À medida que subíamos, parecia que entraríamos na tempestade elétrica. A sensação era de estar caminhando para o meio de um tiroteio rezando pra não ser alvo de uma bala perdida. A possibilidade de voltar frequentemente era analisada. A idéia de não precisar resgatar o carro depois de cansados seduzia. Enquanto seguíamos setas e totens que levavam a um caminho que não existia, os trovões e relâmpagos ficaram mais frequentes e violentos. O pessoal insistia em voltar ou nos deslocarmos mais para sul, pro lado dos Portais do Hércules, já que a maioria dos relâmpagos, raios e trovões agora caiam pro norte. Esse era meu argumento também para continuarmos a andar. Eram cinco da tarde e ainda dava tempo de pelo menos achar a trilha.
Eletricidade
A neblina abriu um pouco e pudemos ver a Pedra do Sino, o Garrafão e, no morro seguinte, o trecho conhecido como Elevador. Um caminho bem inclinado que, de tão erodido, foram chumbados degraus ao longo de uns cinquenta metros na encosta de pedra, agora desnuda, para ser possível a transposição. Estar no meio de uma tempestade de raios é como jogar roleta russa e tentava convencê-los a andar, já que não havia nada que pudéssemos fazer pra evitar um raio na cabeça a não ser tentar não estar ali. Eu explicava a eles que o Elevador era o nosso próximo caminho quando, dois morros adiante, provavelmente no Vale das Antas ou no próximo vale, caiu um enorme e brilhante raio vindo lá do lado esquerdo, parecendo desviar a sua rota para acertar bem no local onde provavelmente estaríamos se não tivéssemos nos perdido algumas vezes. O raio pareceu descarregar sua energia por alguns segundos que duraram uma eternidade enquanto os quatro observavam calados.
Com aquela mensagem em forma de imagem gravada em nossa visão, mais o frio que a falta de caminhar nos fazia sentir estando encharcados naquela chuva e vento, armamos a barraca na pedra mais plana que conseguimos ao sul. Entrei na barraca meio contra a vontade, sem saber se sairia dela outra vez. Mas pelo menos aquilo dava uma falsa sensação de proteção a Thiago, Manel e Zeca. De nós quatro, três de nós éramos pais e foi curioso ver Thiago, que como os outros, eu conheço desde bem pequeno, se preocupar com seu filho que ainda precisava criar! Zeca parecia rever seu modo de vida e brincou que a partir daquele dia iria se preocupar menos em juntar dinheiro ou não fazer dívidas no seu cheque especial. Parece que ele percebeu que sua vida era mais frágil do que ele imaginava. Também tive vontade de ligar pra Paulinha ou mais alguém, mas nenhum celular tinha sinal. Só restava contar os segundos entre os clarões no lado de fora e o barulho dos trovões.
Nesta noite passei mais frio com o vento que parecia atravessar a barraca.
As 20 h da noite de sábado o tempo abriu totalmente revelando todas as montanhas ao redor e um céu estrelado sem nenhum vento. Sugeri que arrumássemos as coisas e começássemos a andar aproveitando aquela oportunidade. Mas os garotos estavam meio cansados e queriam descansar mais duas horas. A barraca quentinha ganhava de qualquer possibilidade de caminhar à noite.
Às dez da noite o tempo fechou novamente, nada se via, mas pelo menos não chovia.
Combinamos então sair às quatro da manhã, independente do tempo. Só saímos às seis.
Depois de levantar acampamento e vestir com desgosto as roupas molhadas, voltamos caminhando até que no ponto onde eu já desconfiava, encontramos a trilha para Teresópolis outra vez.
Manel já queria continuar mesmo, calculei o tempo, os garotos estavam com o mesmo ritmo que eu, mesmo carregando mais peso. Daria pra chegar em Terê com tempo pra resgatar o carro.
Ficou empatado, mas acho que como guia, meu voto pesou mais um pouquinho e convenci Zeca e Thiago. Realmente era mais perto terminar a travessia do que voltar dois terços dela.
Continuamos com a neblina e mais uma vez saímos da trilha. Peguei uma direção que já errara anteriormente numa travessia de um dia e cortei direto o vale do Elevador, mas sem passar por ele. Acho que ganhamos algum tempo subindo pela encosta do morro ao invés de escalar os íngremes degraus de ferro.
Tempo este que perdemos mais a frente correndo atrás de sinalização.
Mais uma vez estávamos no alto de um morro procurando o caminho, este é mais delicado pois tem um costão de pedra meio íngreme e se não descêssemos pelo caminho correto, corríamos o risco de escorregar de esqui bunda. As pedras estavam incrivelmente escorregadias, ainda muito molhadas.
O vento continuava castigando e depois de um tempo indo e vindo e andando em círculos, deixei os três abrigados pelo mato de uma pequena área de acampamento, para não sacrificá-los e não desanimá-los também. Fui dar uma volta pra achar o caminho. Deixei a mochila, e nela a bússola. Apenas segui a direção contrário do vento trazendo densos tufos de névoa rapidamente contra a mim. Andava procurando reconhecer o chão e as pedras do local que na primeira travessia que fizemos ocorreu uma situação que eu me recordava.
Enfim achei a trilha, e chamei a galera.
Após a pontezinha do Vale das Antas, achei incrível a quantidade de mato que fechava a trilha oficial a ponto de quase não a encontrarmos e termos que agachar para passar. A chuva caiu novamente.
Na canaleta do Sino, a impressão que tínhamos é que escalávamos uma cachoeira, com água jorrando pela cara e por dentro das roupas.
Descendo a trilha do Sino, foi quando encontramos as únicas pessoas de toda a travessia. Um cara no abrigo 4 e uma casal na trilha após o abrigo 3.
Mendigos na rodoviária de Teresópolis e Petrópolis.
O da direita foi uma amigo que fizemos que se identificou com a nossa condição.
No ônibus, o ar condicionado estava congelando e o motorista e um fiscal encrencaram porque estávamos sem camisa. Eles saíam e nós tirávamos outra vez as camisas molhadas.