Às onze, despertamos num susto pra logo após tomar outro susto: o grupo de SP não estava lá. Comecei a me preocupar e me lembrei de uma chamada não atendida no meu celular de Bob que eu não consegui retornar. Teriam eles partido no dia anterior? Estariam apenas atrasados? Aguardava enquanto tentava ligar para os celulares de Bob e Luizão – caso furasse lá em Mauá, eu tinha a idéia de subir com o pessoal que ia pra Marins – Itaguaré. O tempo passava, almoçamos um prato feito num pequeno estabelecimento lá perto e decidi encarar aquela travessia assim mesmo, somente com a Bia. Saí procurando informações com os moradores do local.
A Serra da Mantiqueira é um prato cheio pra quem gosta de montanha e neste último feriado de Corpus Christi, teve travessias para todos os gostos. O pessoal do Trilha & Cia. paranaense planejou a temida Serra Fina, Luizão, Xanda e Sucram caíram pra Marins – Itaguaré e eu arrastei a Bia de última hora pra fazer uma travessia de Visconde de Mauá a Itamonte, em MG. Eu acompanharia a galera da lista de discussão Trekking e Travessias de SP.
Seria uma travessia de nível médio, mas clássica ali na região, uma variante da mais conhecida Serra Negra e uma alternativa para a proibida Rebouças – Mauá.
Após receber algumas informações por e-mail, confirmei com o moderador Bob para o encontro na sexta às 11 horas em frente à igrejinha de Maromba.
Após analisar rapidamente, concluí que o melhor seria ir de carro até Resende e de lá pegar um ônibus para Maromba, que segundo o funcionário do guinche da rodoviária, passaria em Resende às 8:30. Seria mais fácil pra recuperar o carro quando viéssemos de Itamonte.
Catei um monte de roupa de frio pra mim e pra Bia e partimos.
Dirigi durante a madrugada e chegamos ao nosso primeiro destino às 7:30, o Graal de Resende, uma rodoviária sofisticada na beira da Via Dutra com lanchonete, restaurante e loja de souvenires também conhecida pelos precinhos bem salgados. Esperamos ali até à hora do ônibus passar, quando descobrimos que a empresa não tinha mais aquele horário. Um casal de hippies-rastafaris que também ia pra lá tentava se entrosar e nos contou que o próximo ônibus sairia as 10 e meia! Não daria tempo de eu chegar às 11 em Maromba! O único jeito foi pegar a Bia e o carro e continuar até Maromba mesmo. Ainda pensei em oferecer frete ou carona para os rastafaris, mas fiquei com medo de não ser uma boa idéia e saímos com a desculpa de fazer um lanche. Os dois tentariam uma carona na entrada de Penedo.
A estrada para Mauá estava bem diferente de antigamente, bem mais lisinha, sem tantas pedras e enfiei o pé, chegando em uns 40 minutos em Maromba. Tomamos café e arrumamos um local pra deixar o carro, quase em frente à igreja. Enquanto esperávamos dar a hora do encontro, cochilamos.
Às onze, despertamos num susto pra logo após tomar outro susto: o grupo de SP não estava lá. Comecei a me preocupar e me lembrei de uma chamada não atendida no meu celular de Bob que eu não consegui retornar. Teriam eles partido no dia anterior? Estariam apenas atrasados? Aguardava enquanto tentava ligar para os celulares de Bob e Luizão – caso furasse lá em Mauá, eu tinha a idéia de subir com o pessoal que ia pra Marins – Itaguaré. O tempo passava, almoçamos um prato feito num pequeno estabelecimento lá perto e decidi encarar aquela travessia assim mesmo, somente com a Bia. Saí procurando informações com os moradores do local.
Começando a andar
Caminhei pelo microscópico centro do vilarejo quando percebi um senhor de chapéu puxando um cavalo e duas mulas. Lembrei-me de uma menina que demos carona de Maringá a Maromba e que disse que tinha feito a travessia com um senhor e umas mulas. Não deu outra, ao pedir informação da trilha, aquele senhor me disse estar justamente indo pra lá. Achei que não daria tempo de voltar pra pegar as mochilas e a Bia e fui acompanhando por algum tempo enquanto ouvia as dicas:
“Você vai virar à direita numa bifurcação e atravessar uma ponte, a trilha começa à esquerda, etc…”
Agradeci muito sua boa vontade e voltei correndo pra me preparar para aquela aventura.
Seria do jeito que eu mais gosto, descobrindo, me perdendo, errando e acertando, sem saber o que me aguardava pela frente.
Bia estava lá na praça e botamos as mochilas nas costas, trancamos o carro e começamos a caminhada.
Após pouco tempo na estradinha, vários pessoas iam e vinham, mas todas com pinta de turistas, provavelmente indo e vindo do Escorrega, uma cachoeira em forma de tobogã que ficava ali pertinho.
Logo chegamos numa bifurcação da estrada e segui pela direita cruzando uma ponte tal qual ensinado pelo senhor. Mas o caminho estava estranho, parecia uma pousada, mais adiante uma porteira, perguntei sobre a trilha a um rapaz que lá estava e ele não conhecia. Não deveria ser habitante do local. Mesmo assim olhei bem a volta pra tentar descobrir algum indício do caminho antes de resolver seguir pela outra estrada.
Voltamos e continuamos andando com aquela pontinha de dúvida, que me fez arriscar uma informação com um pessoal que vinha de carro em direção contrária.
-Trilha pra Itamonte? Itamonte fica em Minas, você vai ter que atravessar a Serra da Mantiqueira, Agulhas Negras e tal…
Pensei comigo “UGH! AGULHAS NEGRAS? Era melhor ele ter dito que não sabia…”
Mais adiante um casal numa barraquinha de produtos da roça me informou que a trilha era mais pra frente e que se eu corresse alcançaria um senhor com umas mulas que ia pra lá.
Após uma curva lá estava ele de prosa com um conhecido. Seu nome era Josué, ele morava em Serra Negra, mas bem conhecido de todos ali pois vendia mel e queijo. Segundo ele, também tinha umas cabanas que hospedava o pessoal que fazia aquela travessia. O acompanhamos até a segunda bifurcação e cruzamos não uma, mas duas pontes até passar por uma porteira e pegar a trilha lamacenta que subia serpenteando um pasto até adentrar a mata. Tomamos uma certa distância, mas logo ele nos alcançou, pois Bia estava sem fôlego com a subida. Seu Josué vinha montado agora no cavalo e subia muito mais rápido, mas ofereceu para levar nossas mochilas nas mulas e a Bia montada. Recusamos e agradecemos. Subimos muito, vez ou outra seu Josué mostrava uma trilhazinha secundária:
-Está trilha leva pro Poção, esta aqui leva pra Cachoeira Dez Quedas…
Anoiteceu, a neblina baixou e caminhávamos um pouco mais devagar pois Bia se esforçava muito naquele trecho inicial de subida constante e acentuada. Eu queria andar o máximo possível naquele primeiro dia, mas Bia por duas vezes quase parou em locais que poderíamos montar a barraca, mesmo que de forma precária.
Por fim nos despedimos de nosso guia, o Sr. Josué, agradecendo e prometendo passar lá na Serra Negra pra comprar um litro de mel.
Aquele ainda não era a parte mais alta daquela montanha que estávamos e convenci a Bia, que descansara por breves minutos, a andar mais um pouco. Passamos por um trecho descampado, que segundo Josué, era a parte mais complicada pela grande quantidade de bifurcações na trilha.
Seguindo sempre a trilha mais forte e cheia sempre de pegadas de gente e muitas pegadas de mula e cavalos, chegamos a um local mais plano que nos serviria perfeitamente para pernoitar.
A temperatura chegou naquela noite aos 6 graus, mas o alvorecer no dia seguinte foi um show a parte. Dormimos cedo e conseguimos acordar 5:30 pra tirar umas boas fotos, mas depois, ainda cansados da viagem, dormimos de novo até as 11, o que era demasiadamente tarde para quem ainda tinha tanto a caminhar.
Segundo dia
Quando acordamos, vimos passar um grupo com três mochileiros e algum tempo depois mais um homem montado a cavalo e trazendo uma mula – esse se chamava Natanael. Colhemos com ele mais informações sobre a trilha e arrumamos nossas coisas para andar.
No início da caminhada foi bem tranqüilo, caminhamos pelas cristas das montanhas em campos e pastos até começar a descer bastante em direção a uma casa próxima de uma estrada. Foi antes da descida também que tivemos a primeira visão do Parque Nacional de Itatiaia e o Hotel Alsene. Uma montanha se destacava e eu não consegui distingui-la e fiquei na dúvida se era o Agulhas Negras, o Prateleiras ou alguma outra.
Lá embaixo, encontramos além de porcos, vacas e galinhas, um pessoal numa casinha, que, de longe mesmo, nos informou que a casa de seu Josué era mais à frente. Continuamos andando, agora por uma estrada de chão que zigue-zagueava, descendo. E descendo. E descendo. E subindo. E nunca que chegava no Seu Josué. Bia começava a reclamar de dores nas costas, nos ombros, nos pés. A estrada agora tinha muitas pedras e notei curiosamente algumas pedras escuras e algumas rachadas eram verdes por dentro, como uma pedra preciosa ou um tipo de vidro. Seria a Serra Negra por causa das pedras escuras?
Imaginando que a travessia tinha chegado ao fim, pedi carona a um senhor que passou por nós com seu fusquinha branco, mas ele disse não estar indo pra Itamonte. Finalmente chegamos a uma casa com umas cabanas bem bonitinhas e perguntei pelo Sr Josué. Fazia algum tempo que eu estava com vontade de comprar mel e quando soube do preço – 14 reais o litro – fiquei com mais vontade ainda. Estava disposto a colocar mais uns dois quilos na mochila por uma garrafa de mel.
Era ali a casa de Josué, um tipo de bar também, com uma mesa de bilhar no meio do terreiro e somente dois rapazes a jogar em meio a galinhas passando, além de uma senhora que nos recebeu. Infelizmente Josué não estava, nem o mel. Tinha acabado. Mas trouxemos dali, mais informações valiosas. A senhora nos aconselhou a dormir em Vargem Grande, logo ali na frente, já que escureceria em menos de uma hora e nos deu indicações da entrada da trilha pra Itamonte.
Provavelmente como Bia, eu imaginava que a Vargem Grande seria algum tipo de descampado ou baixada e tocamos a subir por estradas de terra e pedras. Já dava umas seis horas de caminhada naquele dia e Bia caminhava com uma expressão de sofrimento. No primeiro terreno mais plano que vimos, Beatrice queria desesperadamente ficar por ali mesmo. O problema é que era um gramado dentro de um terreno cercado com cerca-viva, com uma casa, que tinha aparência de estar vazia ou abandonada, mas que de qualquer forma teríamos que pular um portão! Achei melhor continuar e chegamos a um lugarejo, que descobrimos se chamar Vargem Grande. Não demorou pra avistarmos barracas de camping num belo gramado. Pensando no estado da Bia, achei que valeria a pena um pouco de descanso, comida boa e conforto naquele dia.
A Pousada dos Lyrios
O camping na realidade era uma pousada, me informei sobre os preços e fiquei bem animado ao descobrir que não gastaríamos muito: R$ 8,00 a diária por pessoa, R$ 20,00 com uma refeição e o café da manhã. Sempre com direito a banho quente, que é fundamental nesses lugares gelados. Escolhemos o pacote completo e ainda choramos um desconto. Depois de um dia e meio comendo sanduíches e biscoitos, seria boa uma refeição quente, comida de verdade! Apesar de levar macarrão, miojo, sopas, panelas e fogareiro, não consegui comprar o refil de gás!
Depois de um banho super quente, colocamos quase todas as nossas roupas pra aguardar o jantar. A sala de estar da pousada era bem aconchegante e pra minha felicidade, além de várias fotos da região havia um enorme mapa plotado de coordenadas de GPS com todas as trilhas da região, onde fiquei estudando e tentando memorizar o máximo de informações possível.
Quando vagou um lugarzinho num dos sofás, aproveitamos para nos aquecer junto a uma lareira que agora ardia em chamas, já que o frio aumentava com o passar das horas desde que a luz do sol sumira.
Pra mim, a maior alegria mesmo foi quando chegou a comida. Que comida gostosa. Nada sofisticado, ou pensando melhor, pra nossa situação, aquilo era sofisticação pura, muito além do que pensamos ter. Arroz, feijão, carne de panela, quiche, farofa, salada, uma jarra de água e ainda ganhamos um pedaço de bolo, pois o pessoal da mesa ao lado comemorou um aniversário ali. No final, o rapaz que nos recebeu e que agora também nos servia, foi extremamente gentil ao oferecer mais comida. Não recusei e repeti.
Naquela noite fui dormir passando mal de tanto comer e sem poder me mexer quase com tanta roupa e com a barriga explodindo.
Tenho o sono muito pesado, mas alguns pequenos sussurros me fazem pular desperto, como, por exemplo:
– Junior, tem alguém rondando a barraca!
Saltei, me desvencilhando do saco de dormir e dos sacos que envolviam meus pés, abrindo os zíperes da porta da barraca num segundo e no outro já estava de pé do lado de fora. Olhei a volta e não vi ninguém num raio de 20 metros.
Voltei pra dentro reclamando da mania da Bia de me acordar no susto no meio da noite. Desta vez foi mais difícil cair no sono outra vez.
Acordamos com o despertador do telefone celular, mas não sem antes ele ter tocado diversas vezes, gastando preciosa energia da bateria.
O café da manhã na pousada saiu mais tarde do que gostaríamos, mas veio farto como o jantar. Broa, quindim, queijo, mel, biscoito, leite, chocolate, geleia, manteiga, mamão, melão, banana, jarra de suco.
De novo, comi até não poder mais.
Naquele dia precisávamos decidir nosso destino. Continuaríamos pela estrada mais 11 km aproximadamente até a Garganta do Registro, local onde começa também a estrada para a parte alta do Parque Nacional de Itatiaia, onde poderíamos pegar carona ou ônibus para Resende ou continuar o trajeto original pela trilha para Itamonte. De acordo com o pessoal lá, poderíamos fazer a trilha em umas duas horas e depois andar mais 4 km até um lugar onde pegaríamos um ônibus.
A informação decisiva para nossa decisão foi de que a trilha para Itamonte teria um visual muito bonito da região.
Antes de partirmos o rapaz ainda nos deu as últimas dicas:
– Pegue sempre a trilha que sobe e cuidado na última bifurcação, pois se você pegar a direita, vai parar aqui de novo.
Contei nos passos 50 metros e, alguns minutos de caminhada depois, chegamos a uma porteira que seria o local de início da trilha. Atravessamos uma pequena área de pasto até cruzar um riacho e começamos a subir pela trilha, esta um pouco mais enlameada que a primeira.
Uma hora depois acompanhando pegadas de mulas e pessoas, chegamos numa bifurcação e minha primeira vontade foi de continuar a trilha da direita que subia, mas analisei as duas e nossa situação. A trilha que descia era muito larga e cheia de pegadas, diferente da outra, estreita e pedregosa. Também me lembrei do mapa da pousada, se eu tomasse a primeira bifurcação à esquerda eu sairia na estrada para a Garganta do Registro, só que mais a frente e apenas estaria adotando o “plano B” compulsoriamente. Por outro lado, se essa fosse a segunda bifurcação, eu estaria voltando pra Vargem Grande! Sem meu pedômetro e sem ter como aferir grandes distâncias com exatidão, aquela dúvida estava me torturando. Tentamos ligar para a pousada, mas o celular estava sem sinal.
Resolvi investigar o caminho que descia e caminhei bastante até a trilha começar a descer larga e vertiginosamente. Voltamos e tomamos a trilha da direita, subindo sempre e aos poucos fui ficando mais seguro ao voltar a ver as pegadas indo ao mesmo sentido que o nosso, o caminho ir ficando cada vez mais alto e em direção ao norte.
Logo, a caminhada já se fazia pela crista das montanhas e o visual era compensador. Se eu tinha alguma dúvida na escolha do caminho, ela já havia desaparecido. Avistamos o lugarejo de onde viemos com a Pousada dos Lyrios lá em baixo. No fim da cadeia de montanhas, a recompensa: um mirante com mais de mil metros de desnível para o vale lá em baixo onde se localizava a cidade de Itamonte, cercada por serras imponentes. Que alegria poder avistar de uma só vez o Parque Nacional, a Serra Fina inteira, os maciços do Marins e do Itaguaré, a pedra do Picú, uma espécie de barbatana de um tubarão de pedra que emerge abruptamente de um mar de verde. Aos nossos pés, podíamos visualizar toda a nossa rota, nos dando a impressão de que as distâncias eram muito pequenas. Era 12:00 hs e precisávamos estar em Resende até as 16 para pegar o último ônibus do dia para Maromba, mas mesmo assim parei por uma meia hora ali, tirando fotos, imaginando onde meus amigos estariam na Serra Fina e Marins, enquanto Bia se recobrava também das dores nos pés que se faziam cada vez mais intensas.
A partir dali, seria somente descida pela crista dos morros à direita, não havia uma trilha definida no início e voltei um trecho pra me certificar que não havia algum outro caminho pro outro lado. Tomei então o mais curto quase em linha reta para o morro seguinte, um terreno de encosta, rochoso e com trechos de mato que o tornava meio difícil de vencer.
Enquanto rastreava o caminho, escutei Bia gritando por mim mais atrás ente lágrimas. Perguntei qual o motivo do choro e ela me respondeu que era porque estaríamos perdidos e eu caminhava à frente deixando ela pra trás.
– Só por isso? – Indaguei.
– E porque também meus pés estão doloridos.
E o diálogo que se seguiu enquanto descíamos foi este:
– Então é por causa desse conjunto de fatores? Se você não estivesse perdida você teria vontade de chorar também?
– Não.
– E se você tivesse perdida, mas eu caminhasse perto de você, você estaria chorando também?
– Acho que não.
– E se você estivesse perdida e eu caminhando distante, mas o pé não tivesse doendo?
– Eu iria chorar também.
Confirmei que todas as razões ou combinações de razões eram psicológicas, o único fator físico, a dor das bolhas nos pés, foi descartado por ela mesmo de alguma influência no seu abalo emocional.
Em geral, associamos grandes feitos à força, velocidade, resistência, mas uma mente forte é muitas vezes mais importante do que músculos. Inclusive para tomar decisões corretas que não façam “o corpo padecer”, como diz minha mãe.
A essa altura já caminhávamos novamente numa trilha bem definida e larga, que se bifurcava e se encontrava novamente muitas vezes, mas seguindo sempre para a mesma direção, descendo fortemente, resultado de erosão.
De vez em quando Bia gritava mais atrás por mim, qual trilha tomar e eu respondia: “A que desce!”. Mas as lágrimas não desciam mais.
Surpresa
Enfim, chegamos numa estrada! Continuamos caminhando, agora procurando mais sinais de civilização. Pessoas a que pudéssemos pedir informação. Mas tudo o que encontrávamos eram cabanas fechadas de tempos em tempos. Parecia um lugarejo fantasma. Mas continuamos estrada abaixo.
Em certo momento, percebi uma trilha que saia da estrada pra esquerda e fui averiguar. Parecia bem utilizada, com várias marcas de cavalo ou mula e imaginei ser algum atalho. Fomos por ali então. Andamos um trecho até começamos a subir, atravessamos um riozinho num trecho que não havia nenhum tipo de rastro e logo estávamos descendo bastante.
Caminhávamos agora numa trilha bem cuidada, com escadinhas escavadas no chão e nos deparamos com uma bifurcação que subia à esquerda e voltando. Pelo tanto que descemos, percebi que se pegássemos aquele caminho, subiríamos muito também até cruzar a crista de algum morro, se aquilo fosse algum atalho pra encurtar a estrada. Desta vez preferi não arriscar mais e descer mais um pouco, voltando pra estrada outra vez.
Depois de uma meia hora, encontramos a primeira pessoa, um senhor montado a cavalo. Cumprimentei-o e perguntei por Itamonte.
O senhor nos disse que estava longe, mas que num bar mais abaixo, estavam saindo uns caminhões para o centro de Itamonte, bastaria descermos mais um pouquinho.Andamos bastante, um quilômetro ou dois até chegar numa casa que parecia o tal do bar, o problema é que não havia caminhões. Fizemos as perguntas de sempre e os homens que lá estavam nos disseram que as caronas acabaram de sair. Também ouvi ali pela primeira vez, chocado, à distância até Itamonte: 20 km! Meio incrédulo, ainda prestei atenção numa dica deles, se quiséssemos cortar caminho, poderíamos pegar uma estrada è esquerda numa bifurcação onde havia uma igreja. Seria um caminho mais curto, mas sem chances de conseguir carona. Após mais uma hora mais ou menos chegamos no tal ponto, até agora nesse tempo todo, só dois carros haviam passado por nós e estavam lotados de gente. Prevendo que nosso destino teria que ser caminhar mesmo, mais uma vez decidi não apostar na sorte.
A estrada da esquerda continuava bem plana, mas, algum tempo depois, seu declive aumentava muito e surgiam erosões que desfiguravam completamente o caminho. Foi então que traduzi o que o homem dissera. Difícil de conseguir carona significava impossível de passar carro. Talvez um tanque de guerra ou um trator caridoso…
Mais um senhor no caminho. Mais perguntas. Faltavam agora 12 km ou umas duas horas e meia. Um pouco mais animador do que as 4 ou 5 horas iniciais que eu calculara pra chegar na cidade. Nosso ônibus pra Maromba já devia ter partido à uma hora de Resende, mas agora a nossa única preocupação era chegar antes de escurecer num bairro mais à frente, onde, segundo aquele senhor, nossas chances de arrumar carona voltariam a aumentar.
A descida era sempre tão intensa que de tempos em tempos eu compensava os ouvidos por causa da pressão atmosférica, aquele desnível devia estar castigando a Bia. Sua bolha maior era no calcanhar.
A escuridão já começava a tornar mais difícil distinguir os buracos e Bia tropeçou algumas vezes até que avistamos as luzes do bairro lá embaixo. Pouco tempo depois chegamos no primeiro poste de luz e paramos num barzinho pra descansar. Nos informamos sobre carona, mas não conseguimos nada. Enchi meu reservatório de água, compramos uns doces e refrigerantes. Encontrei lá o guaraná Mantiqueira que eu me amarro e só tem naquela região, ele é feito com água mineral. O dono do bar nos disse que faltariam agora sete quilômetros e que ele somente uma vez tinha andado esse trajeto, levando uma hora e meia. Já tinha escurecido, estávamos com as roupas úmidas de suor e começava a esfriar, achamos melhor recomeçar a andar logo.
Apesar de caminharmos agora no breu total, depois que os postes de luz acabaram, preferi não usar lanternas, pois a estrada era bem larga e lisa. Era uma noite sem lua e parecia que caminhávamos de olhos fechados, exceto pelo maravilhoso céu estrelado que iluminava um pouco o caminho.
Em certo momento ouvimos um barulho na escuridão a nossa frente e distinguimos um vulto que vinha em nossa direção e que preenchia a estrada de um lado a outro. Fiquei imaginando que joça seria aquilo, um bando de gente, trator. Foi quando Bia gritou meio desesperada:
– Hei, tem gente aqui! – Eram bois! Quase fomos atropelados por uma boiada, mas um homem a cavalo os juntou a tempo para um lado enquanto nos dirigimos para o outro. Não dava pra ver direito nem a Bia, que caminhava ao meu lado a no máximo um metro e meio de distância, quanto mais um monte de boi preto mais longe.
Minha mochila com uns 15 ou 20 kg já castigava meus ombros e eu era obrigado a regular toda hora as fitas das alças que afrouxavam com a caminhada. Comecei a acompanhar o tempo e bem ou mal estávamos chegando. Eu percebia ao longe o céu levemente mais iluminado, na direção de Itamonte. Passava agora alguns motoqueiros e carros de vez em quando e tentávamos carona em vão. Em certo ponto, incentivado pela Bia, corri e gritei por um fusca que entrou na estrada mais a frente.
Não tinha jeito, quando entrei nessa eu sabia que o remédio seria andar, e muito, e me preparei pro pior, mas me confortava o mérito maior que teríamos e a brincadeira que eu faria com meus amigos paulistas.
Numa curva, finalmente as luzes de Itamonte! Depois de uma baixada, vimos o asfalto com os carros passando como num autorama! O fato de estar perto não fazia a Bia desistir de pedir carona e foi assim até quase o último quarteirão! Coloquei a lanterna pra ler uma placa na beira da estrada. Após uma curva, lá estavam: os primeiros postes de luz, casas, paralelepípedos… Chegáramos!
Ainda tivemos que andar um pouco na periferia. No primeiro orelhão, tentamos ligar, mas não estava funcionando. Na outra esquina pegamos uma avenidinha e tentamos um outro orelhão. Nossa última esperança era conseguir falar com Luizão, que pela hora – 20:15 – devia estar voltando da Travessia Marins – Itaguaré, na região de Piquete em São Paulo. Ele poderia nos resgatar em Itamonte, já que naquela altura eu descartava completamente a possibilidade de carona! Foi então, que, quase que por um milagre, o que eu tentava há três dias sem sucesso, consegui naquele momento. Luizão, Xanda e Sucram estavam comendo numa churrascaria em Lavrinhas, onde seu telefone tinha sinal, e se prontificou a nos pegar em Itamonte. Ainda se ofereceu de nos levar em Maromba, mas logo de cara, imaginei que seria impraticável pela hora. Os três deviam estar mortos de cansaço e aumentariam a viagem de volta em duas horas só de entrar em Itamonte, imagina se também entrassem pra Maromba.
A partir daí foi só parar num trailer com umas mesinhas na beira do asfalto e pedir uns sanduíches, curtindo as dores que apareciam à medida que o corpo relaxava. Meio preocupado com o local exato do ponto de encontro ainda tentei ligar pra ele outra vez, mas o celular não estava mais disponível. Isso não foi problema, uma hora depois lá estava o carro verde de Luiz Henrique.
Faltava ainda a última aventura: resgatar o meu carro na Vila da Maromba.
Acampando na calçada
Durante o caminho até Resende, discuti com a Bia para que ela fosse de carro com a galera pro Rio e eu ficaria em Resende pra pegar o ônibus pra Maromba. Ficou resolvido que a Bia ficaria também comigo lá E demos umas voltas no quarteirão pra achar um lugar onde pudéssemos armar a barraca!
O melhor lugar foi numa rua de casas que parecia não ter muito movimento, escolhemos a calçada onde só havia um grande muro, de um galpão talvez, e umas árvores – para lembrar de leve um ambiente natural…
Depois de montada a barraca, nos despedimos de nossos amigos e entramos para dormir.
Durante a noite, novamente, Bia me acordou. Ainda tive tempo de ouvir vozes de pessoas passando pela rua e dizendo somente: “Ih! Olha lá uma barraca!”
Acordamos ainda escuro, desarmamos acampamento e fomos para o ponto de ônibus que ficava a algumas dezenas de metros dali. Dormi a maior parte da viagem, mas ainda pude ver algumas belas paisagens de vales cobertos de nuvens pela janela do ônibus no meio da serra, depois que amanheceu.
Em Maromba, o carro estava lá como eu deixei e começamos nossa viagem de volta, interrompida momentaneamente por um pequeno probleminha elétrico. Dois cabos do distribuidor estavam completamente soltos e, óbvio, que numa curva com uma subida bem íngreme, o carro se recusou a se movimentar.
Depois de conectar os cabos, continuamos viagem, agora com o carro superpotente – desde que ele voltou da oficina, ele devia estar com um mal contato que me fez rodar uns seis meses, pensando que o motor ainda estava amaciando.
E chegamos bem no Rio, apesar de algumas cochiladas no volante, ainda a tempo de trabalhar.