Ilha Grande, muito grande

Essa viagem já tinha sido marcada desde o início do ano pelo meu professor de Biologia, o Douglas, mas foi difícil confirmar. A maioria queria ir pra Itatiaia, mas devido a alguns problemas só sobrou Ilha Grande como opção, isso faltando dois dias pra viagem, que foi decidida na comemoração do aniversário da Tainá.

A expectativa era de que fosse um grupo grande com o Douglas. Ao chegar na rodoviária encontramos meu professor com mais sete e viríamos a encontrar mais umas vinte pessoas em Mangaratiba. Mas no fim, apenas quinze pessoas iriam fazer o percurso, sete do nosso grupo e mais oito do meu professor.

A idéia de Douglas era dar meia volta na Ilha grande e quando chegamos lá, soubemos que sairíamos de Palmas, uma praia que fica na ponta esquerda da ilha, no lado de dentro, o do continente, e andaríamos até a gruta do Acaiá, no outro extremo da ilha, caminhando pelo lado de fora. Chegamos em Mangaratiba e pegamos um barco para Palmas, onde algumas pessoas ficaram um pouco enjoadas, pois a travessia de barco levou duas horas. Fizemos uma parada em Abraão, onde alguns passageiros iriam descer e prosseguimos para o nosso ponto de partida. Chegando em Palmas tivemos que colocar nossas roupas de banho, pois teríamos que descer na beira da praia. Alguns desceram primeiro e pegaram as mochilas que eram passadas por outros que ficaram em cima do barco.

Quando aportamos, encontramos o pessoal que não iria andar e resolvemos ficar em um camping dali, já que era quase meio-dia. Armamos as barracas e fomos almoçar, depois um pessoal foi pra Lopes Mendes, mesmo com o tempo ameaçando chover, outros resolveram dormir e outros ficaram tocando cantando ao som do violão de Junior. Com o passar das horas foi se juntando um pessoal a roda e quando percebemos até o grupo que iria tocar no forró já estava participando. A todo o momento eu escutava uma voz diferente no meio das músicas e não fazia idéia de quem era, pois já estava um pouco escuro.
Eu fui dormir na barraca enquanto o violão ainda tocava e acredito terem ficado por ali mais um bom tempo, pois apaguei e não ouvi mais nada a não ser o pessoal se organizando para ir ao forró.

Ao acordar no dia seguinte pretendíamos sair cedo, mas o pessoal demorou a se levantar, só fomos sair as nove da manhã. Mal começamos a andar e o grupo já havia se separado,  ficamos para trás e Junior e Douglas seguiram com uma boa parte da galera. Como estávamos com o rádio continuamos nos comunicando. Luizão estava com dores no joelho devido a um antigo problema que havia piorado na última semana graças a uma coça que ele levou no Jiu-Jitsu, e eu não vou nem dizer de quem.

Praia de Santo Antônio

Praia de Santo Antônio

Banho na Praia de Santo Antônio

Estávamos andando bem devagar e havíamos combinado de nos encontrarmos com o grupo da frente guiado por Douglas e Junior na praia de Santo Antônio, mas para isso teríamos que pegar uma trilha a esquerda numa determinada bifurcação. Só que perdemos a comunicação via rádio. O combinado inicial seria manter sempre à direita em qualquer bifurcação – isso evitaria pegar trilhas secundárias que levariam a pedras, costões ou praias sem saída, já que fazíamos a volta na ilha no sentido horário -, então pegamos a trilha que levava direto a praia do Cachadaço, sem passar pela praia onde a galera estava. Esta trilha é um pouco fechada, o que gerou uma certa desconfiança no grupo pois tínhamos sido informados de que só pegaríamos trilhas bem abertas e definidas, mas decidimos seguir, nessa trilha o nosso ritmo foi ainda mais lento, e como é uma trilha de média duração, o joelho do Luizão começou a dar sinais de cansaço. Fiz questão de ir junto dele durante todo o tempo. Depois de andarmos por mais ou menos uma hora, o Alessandro conseguiu falar com o Junior pelo rádio e mencionou uma bifurcação sinalizada com uma fitinha branca amarrada em uma árvore. Para confirmar se tinham realmente pego o caminho certo, Junior resolveu deixar a mochila e o grupo esperando e ir correndo verificar em que caminho estavam. Foi quando ouviu vozes no meio do mato e achando que tivesse dado uma grande volta e ainda fosse o pessoal, começou a gritar por Douglas. Qual não foi a surpresa quando descobriu dois paulistas, um rapaz e um garoto, totalmente perdidos no meio do mato mais abaixo, fora de qualquer trilha. Orientando-os, conseguiram voltar para a trilha. Eles haviam pegado o caminho que Alessandro mencionara. O grupo recomeçou a andar agora com mais dois integrantes, mas com a certeza de que estavam no caminho certo .

Mais à frente, nós chegaríamos a um lugar bem confuso, com um pequeno rio, eu e Alessandro fomos procurar o caminho pelas pedras a beira do mar, onde achamos dois pescadores que nos informaram onde era a trilha, voltamos e sinalizamos alguns pontos da trilha para o grupo que vinha atrás, como eles estavam mais rápidos, acabaram nos alcançando uns vinte metros à frente, prosseguimos todos juntos com exceção do Luizão, Xanda e Priscila que foram na frente enquanto falávamos com o Junior pelo rádio. Chegando em Cachadaço percebemos que os três ainda não haviam chegado, uns quinze minutos depois eles chegaram dizendo que haviam se perdido mais um pouco.
Paramos para descansar e fazer comida, o que demorou umas três horas, alguns premiados ganharam um pisoteio nas costas da Martinha, que ajudou a recolocar a coluna no lugar. Pisa! - Foto de Tainá Del Negri
Só voltamos a andar as cinco da tarde e demoramos mais uns quinze minutos procurando a trilha para Dois Rios, esta trilha era bem mais tranquila que a anterior, acabamos conseguindo imprimir um ritmo bem melhor e chegamos ao destino em uma hora e meia sem maiores problemas. Porém, já estava escurecendo e não poderíamos dormir ali, pois não tinha camping e é proibido fazer camping selvagem na ilha, aliás, foi a primeira coisa que ouvimos ao chegar nesse vilarejo, demonstrando quanto éramos bem vindos ali.
Fizemos uma rápida visita ao antigo presídio e voltamos pra decidir nosso destino, pois havia algumas pessoas pensando em ir para Abraão, pois há uma estrada bem aberta, por onde passam carros, entre esses dois vilarejos, mas a votação acabou decidindo que iríamos até Parnaióca, onde dormiríamos. Organizamos uma fila intercalando as pessoas que tinham lanternas com quem não tinha, e assim prosseguimos nossa caminhada. A trilha era bastante agradável, porém durante o caminho só se ouvia gente dizendo – “a minha lanterna apagou” ou “a minha ta começando a apagar”.
Depois de uma grande caverna, um gigantesco jequitibá, alguns ruídos de animais no mato e uma longa caminhada que durou cinco horas, chegamos a Parnaióca por volta de duas da manhã com apenas quatro lanternas. Ninguém queria mais nada a não ser dormir e foi o que fizemos, sem montar acampamento, dormimos na areia no nosso primeiro bivaque.
Placa Reserva Biológica Praia do SulApós um dia cansativo acabamos acordando tarde, no meio da praia e logo vimos um garoto passando com um saco de pão francês, o pessoal em um coro intimou o garoto a dizer de onde tinham saído àqueles pães, e ele nos informou que era da casa em frente de onde dormimos, Alessandro se informou e descobriu que eles serviam café da manhã por R$2,50 e ainda cediam o banheiro, alguns integrantes do grupo foram lá e se fizeram. Sabendo que andaríamos por longos trechos na areia da praia, Junior fez alguns cajados de bambus para o pessoal. Sua mochila estava bem pesada e qualquer ajuda fazia diferença.
Praia do Sul
Douglas e Filipi no mangue - foto de Tainá DelMais uma vez, nós saímos tarde e o destino agora era Aventureiro, o caminho desse dia é o mais tranqüilo, caminhamos por uma pequena trilha que nos levou a Praia do Sul em uma reserva biológica, a partir daí caminhamos somente pela praia, chegando a um pequeno manguezal, que cruzamos e prosseguimos pela praia do Leste até chegar ao costão, uma parte onde teríamos que cruzar as pedras para chegar a Praia do Demo, logo após esta praia chegamos ao Aventureiro, onde nos despedimos do Douglas, Luizão e Xanda que tinham que trabalhar no dia seguinte. Era cedo, mas decidimos parar e dormir ali naquela noite. Ficamos o resto do dia só fazendo comida, dormindo e conversando e só fomos arrumar o nosso acampamento ao anoitecer, deixando as mochilas juntas e enroladas em uma lona para dormirmos ao redor de nossas coisas, evitando assim que alguém pudesse mexer nelas.
Praia do Aventureiro
Por volta de umas dez da noite, Junior alertou para um barco que iluminava a praia com um holofote, rapidamente nos abaixamos e recolhemos uma toalha que estava pendurada em um cajado, como se fosse uma bandeira. Não se podia acampar na praia, mas apesar de não termos armado as barracas, queríamos evitar confusão. O barco deveria ser da polícia e estavam equipados com binóculos infravermelhos. Avistamos também um facho de luz muito grande atrás de um morro que ora apontava para o céu como se lá estivesse acontecendo um grande show. Rapidamente esse facho deu a volta no morro, contornando o litoral e de início imaginamos ser um helicóptero pela velocidade que se locomovia, mas depois percebemos ser um hovercraft. Ficamos assim por algum tempo, nos escondendo cada vez que passavam o holofote pela praia, até que se foram.
Acordei de manhã com uma bolinha de areia na testa, um passarinho com uma mira muito boa me acertou e me fez suspeitar dos meus amigos, que poderiam estar fingindo dormir, mas depois eu descobri o verdadeiro criminoso após uma nova tentativa do meliante.
Levantamos acampamento e esperamos o Alessandro pegar o barco de volta pra Angra, mais um que tinha que trabalhar. Alessandro levou algumas barracas do pessoal, o violão e duas pastas de músicas cifradas de Junior, já que, segundo informações, o que nos esperava a partir de agora não era brincadeira. Começamos a andar e de cara pegamos um morro que era tão íngreme que quase precisamos escalar, olhava pra frente e só via o morro subir mais, foi então que me vi ficando pra trás, pois a Priscila não conseguia acompanhar o ritmo do pessoal, a Tainá esperou a gente e eu lhe pedi a bombinha, já que a Priscila tem asma e começava a faltar o ar, após uma bombada, ela voltou a caminhar, mas não foi preciso nem 10 metros pra disparar uma violenta crise. Ajudamos a Priscila a tirar a mochila e orientamo-la a respirar fundo. Confesso que no primeiro momento acreditei que não era nada demais, mas ao ver a cara da Tainá e os olhos da Priscila cheio de lágrimas, comecei a me preocupar. Decidimos então que ela deveria voltar e pegar um barco em Aventureiro pra casa. Depois desse susto a viagem prosseguiu tranqüila. O grupo inicial com quinze pessoas, agora tinha somente dez. Chegamos em Provetá e depois de um rápido banho de mar de alguns, continuamos a nossa caminhada e encontramos uma venda. Nos informamos do caminho para a Gruta do Acaiá Morador da ilha queimando a matae também sobre um rapaz que poderia nos pegar de barco na gruta para nos levar até o continente. Fomos até a casa do barqueiro, combinamos as seis da tarde nas pedras da Gruta do Acaiá e pegamos novamente a trilha, outro morro íngreme. Ao subir, me sentia como se estivesse olhando pro céu, o cansaço começou a atrapalhar um pouco, mas nada que tirasse o ânimo do grupo. Depois de caminharmos bastante chegamos a tão esperada gruta, que descobrimos ficar dentro de uma propriedade particular, cujo proprietário cobrava pela visita. Falamos com o caseiro e depois de rápidas explicações, ele pediu para que esperássemos ali, pois ele iria fazer alguma coisa e voltaria para nos acompanhar até a gruta. Não esperamos coisa nenhuma, e fomos em direção às pedras na beira do mar. Imaginávamos que a gruta ficasse lá e que o camarada cobrava somente por passarmos dentro de sua casa. Passamos por um pequeno portão até chegarmos às pedras, doce engano. Eu fui pra um lado e o Junior pro outro, corremos feito loucos saltando de pedra em pedra e não achamos nada. Junior gritou para um barco de pescadores que estava perto, perguntando pela gruta e eles apontaram para dentro da casa. Junior então, descobriu o buraco de entrada bem no meio do quintal da propriedade. Tivemos que voltar à casa do cidadão e pagar pra entrar na gruta, o que eu considero um abuso.
Entrada da grutaBilly Jean entrando na gruta

Billy Jean
Mas o visual de lá de dentro é de tirar o fôlego, a gruta é uma fenda que vai descendo até encontrar o mar que a invade por uma abertura submersa. A luz externa, então ilumina a água como uma piscina com refletores. A água parece fluorescente! Ouvimos várias vezes que pessoas já haviam morrido ao tentar atravessar essa passagem até o exterior, por debaixo dágua. Montamos um esquema para que a galera pudesse entrar na água com uma máscara de mergulho e ver o oceano pela passagem submersa. A maré estava enchendo e o mar estava agitado, dando uma sensação de que poderia nos arrastar a qualquer momento e nos imprensávamos contra o teto. Após visitarmos a gruta, pagamos e fomos para o lado de fora esperar nosso barco, que chegou no horário marcado. Mas pra fecharmos a nossa viagem com chave de ouro, só conseguimos ônibus de Angra para o Rio às 22:45 e chegamos em casa por volta das 2:00, mas valeu a pena.

Gruta do Acaiá

Mergulhando na gruta

Ponta do Acaiá
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Bivaque: Pernoite ao relento

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