Estrada Real de Bike

Qualquer um fica fascinado quando assiste competições de aventura e não foi diferente comigo. A medida que elas foram se tornando cada vez mais populares e mais acessíveis com as competições nacionais e de duração de 1 ou 2 dias, eu e meus amigos começamos a pensar cada vez mais na hipótese. Foi quando eu tomei conhecimento de uma corrida que haveria no final de outubro e pensando nisso, comprei minha bicicleta e entrei de cabeça nesse novo esporte. Faltava agora treinar e inventei de ir visitar meu amigo Billy que estava agora morando em Juiz de Fora, só que eu iria pedalando! Comecei a contar minha idéia para Alessandro que também se animou e tratou de procurar uma bicicleta usada para comprar. A idéia seria comprá-la, mas deixar lá em Minas com Filipi Billy Jean que queria uma bike para poder competir comigo na corrida de aventura. Logo Luizão ficou sabendo e resolveu montar uma boa bike com as duas que ele tinha em casa. Com alguma ajuda minha e uma ou outra peça da outra bike, finalmente ressuscitamos uma bicicleta que já estava guardada a um bom tempo toda desmontada.

Posteriormente, Andrezinho e seu amigo Tadeu decidiram ir, mas não puderam por causa do trabalho.
A bicicleta de Alessandro só chegou no dia da partida, uma sexta feira, quase às cinco da tarde, hora em que pelos nossos planos já deveríamos estar na estrada a muito tempo. Após uma regulada na marcha do Luizão, lá estávamos pedalando rumo a Avenida Brasil em plena hora do rush, com um trânsito danado de gente viajando para o feriado.
Foi realmente difícil, algumas vezes os caminhões tiravam um fino e o deslocamento de ar desequilibrava, eu tinha dificuldades para atravessar as agulhas, pois pedalávamos na pista do meio para evitar o trânsito ruim de ônibus no acostamento da pista lateral.

Não se passara nem uma hora de viagem e eu vi o Luizão que ia na frente desviando de uma poça gigante de água que quase pegava a pista inteira, para isso ele foi lá no meio e voltou, mas quando Alessandro tentou desviar, alguns carros começaram a se aproximar e o jeito foi passar pela água. Primeiro ele, depois eu, torcendo para que fosse somente água, me decepcionei quando senti minha bunda, pochete, costas e tênis ficando molhados seguido de um cheiro de esgoto. Só me restou xingar alguns palavrões, depois claro, pois na hora tive que manter a boca bem fechada pois aquela água fedida respingava pra tudo quanto era lado.

Por volta das oito da noite, paramos em Santa Cruz da Serra, antes de começar a subida rumo a Petrópolis para jantarmos e depois recomeçar a pedalar. A serra foi um terror, íngreme pra caramba, por várias vezes tivemos que empurrar as bicicletas com as pernas queimando, com os carros passando em alta velocidade e tirando finos da gente. Luizão tomou distância e eu fiquei com o Alessandro, que por não ter se preparado, estava demonstrando muito cansaço. Parei com ele numa barraquinha no meio da serra para tomar um isotônico e a dona do lugar nos desejou sorte e pediu pra que tomássemos cuidado pois uma amigo dela havia morrido atropelado quando pedalava naquela serra há poucos meses! Ficamos um pouco abalados e redobramos nossa atenção. Depois de muito pedalar, sem que o fim da serra chegasse, encontrei Luizão dormindo dentro de uma canaleta d’ agua e com a bicicleta deitada num gramado. Ele roncava e não acordou com minha presença, sentei e esperei por Alessandro.Acabou a serra!

Após comermos uns biscoitos, continuamos até a exaustão total, quando decidimos que não dava mais pra continuar. Era uma hora da manhã e paramos quando encontramos um gramado numa parte da serra que tinha um tipo de refúgio, com uma fonte próxima e uma grade pra prender as bicicletas. Usamos os sacos de dormir e os isolantes e não foi difícil adormecer ali mesmo deitados no chão. O dia seguinte estava muito bonito e acordamos cedo com um pouquinho de frio devido ao vento dos carros que passavam em velocidade bem próximos e rapidamente nos arrumamos e continuamos nossa viagem.

Finalmente chegamos em Petrópolis a tempo de almoçar um pão com mortadela no supermercado e a partir deste dia começamos a pegar as primeiras ladeiras descendo, era muito bom relembrar os trechos que eu, Alessandro e Filipi havíamos percorrido a pé há dois anos atrás. Reparei que os mesmos cães que não nos deixávamos em paz quando estávamos com os mochilões nas costas, desta vez nem se importavam com as bicicletas. Numa das paradas tivemos o prazer de encontrar com a bela Letícia Spiller fazendo compras em uma pequena lanchonete na cidade de Secretário e pedi pra tirar uma foto com ela. Foi quando o que eu nunca poderia imaginar que um dia fosse acontecer, aconteceu: quando ela foi me abraçar, tive que recusar! Eu estava todo suado e cheio de poeira, sem banho e tive que dizer não com um aperto no coração!

No fim da tardinha, passamos na cidade de Inconfidência e procuramos a família da tia Rita que havia nos hospedados da outra vez e ficamos muito felizes por reencontrar todos lá, depois de um bom papo, fotos e um lanchinho, partimos com a promessa de retornar outras vezes. Tínhamos um problema, eu achava melhor continuar até a cidade de Paraibuna e pernoitar em um hotel fazenda que eu sabia, tinha uma ótima comida, pois naquele dia não comemos bem, mas a fome estava imensa e o cansaço tamanho que paramos em Paraíba do Sul mesmo pra tentar jantar e decidir onde ficar. Foi onde nos aborrecemos. Rodamos quase a cidade inteira procurando um lugar pra comer – devia ser umas 11 hs da noite e apesar da cidade estar lotada por causa de um desfile escolar, não havia mais comida nos restaurantes! Por fim paramos em um restaurante que, após perguntarmos, disseram que havia pizza e PF (prato feito). Pedimos um PF pra cada um, mas depois de 1 hora e 40 minutos e muito aborrecimento, fomos embora e acabamos comendo sanduiches num quiosque da praça. Dormimos num hotel bem barato que já conhecíamos naquela cidade mesmo para tentar recuperar a distância não percorrida no dia seguinte.

Acordamos doloridos, nos arrumamos, tomamos café no hotel e continuamos a viagem.
Chegamos no hotel fazenda Santa Helena em Paraibuna por volta de meio dia e começamos a discutir o melhor a fazer pois o almoço só começaria a ser servido uma hora da tarde. Como eu não achava que estava me alimentando bem na viagem, tentei convencer Luizão e Alessandro a almoçarmos ali, além do mais eu tinha a impressão que não haveria outro lugar pela frente. Alessandro disse que não estava com muita fome e Luizão, que não queria gastar dinheiro, também disse que não estava com fome. Meio contrariado, parti com eles sem almoçar ali. E nem em lugar nenhum.

Alessandro no cemitérioLogo após o hotel, passamos pela entrada da trilha que leva até o antigo cemitério, onde nossas fotos queimaram dois anos atrás. Eu e Alessandro tínhamos vontade de voltar lá de novo, eu estava com uma máquina digital e uma manual e Luizão tinha o Palm que também tirava fotos digitais. Se desta vez não saísse nenhuma foto eu nunca mais voltaria ali! Pegamos uma trilha errada de início, que só fomos perceber quando no alto de um morro. Por fim achamos o cemitério depois de cruzar matagais, alguns lamaçais e pequenos riachos. Tiramos muitas as fotos e finalmente pudemos registrar aquele lugar, acabando com qualquer mito. Eu me lembrava de quão fechada e íngreme era a trilha após o cemitério e sugeri que voltássemos até a estrada de asfalto, mas Alessandro e Luizão quiseram seguir pela trilha. Foi quando começou o inferno. A trilha mal dava para passar uma pessoa rastejando, cheia de espinhos e ainda tínhamos que levar as bikes. Por alguns momentos, quando a trilha abria, eu tentava pedalar, mas logo uma raiz ou uma pedra me derrubava. Certo momento a trilha acabou, nos levando a uma clareira completamente rodeada de mata intransponível. Luizão, como que por milagre, conseguiu reencontrar a trilha atrás de uma parede de mato e espinhos e continuamos a subida forte com as bikes nas costas. No alto do morro, a mata terminava e a descida era por uma pasto, fui pedalando, com cuidado para não desequilibrar e rolar por um enorme barranco à minha esquerda. Mesmo assim ainda caí, com sorte, pra direita. Penamos muito ainda pra achar o caminho de volta à estrada de asfalto e depois de atravessar riachos, barrancos, cercas de arame farpado, saímos dentro de uma fazenda com touros de dois metros de altura, que por sorte não se incomodaram com nossa presença. Após pular a última cerca com as bicicletas, chegamos no asfalto novamente. Este trecho nos desgastou muito e atrasou bastante nossa viagem, mas pra mim acrescentou muito como experiência que provavelmente irei utilizar nas corridas.

Na cidade seguinte, a barriga já estava nas costas e por ser mais de duas horas, não havia mais lugar nenhum para comer. Continuamos, já estávamos em Minas, mas ainda faltava muito pra chegar, foi quando encontramos a rodovia e decidimos abandonar o roteiro da Estrada Real, passando por dentro das cidadezinhas e seguir direto para Juiz de Fora. Encontrei Luizão um pouco antes do último pedágio antes de Juiz de Fora e ficamos esperando Alessandro que demorou muito por ter pego o caminho voltando! Filipi me ligou para saber onde nós estávamos e tentei pegar algumas informações com ele, que me disse que devia faltar uns 13 kilometros para chegar e que não haveria nenhuma subida íngreme como pegamos a pé dois anos atrás, chegando pelo outro lado da cidade.

Billy foi preciso nos 13 kilometros, mas quanto ao relevo…

No início era muito bom pedalar pela rodovia, tínhamos o acostamento do tamanho de uma pista só para nós, o asfalto era ótimo e as subidas que pegávamos eram compensadas com velocidades em torno de 45 km/h que conseguíamos nas descidas.
Alessandro que já estava totalmente esgotado, ficando muito para trás e Luizão tomava distância de mim, quando faltavam uns 10 kilometros e suavemente começamos uma subida que não acabava. Curva após curva eu esperava outra descida, mas nada. No fim de três dias pedalando, aquele aclive longo, apesar de não ser muito forte, era uma tortura. Minhas pernas pareciam chumbo, meu traseiro estava dormente de dor, às vezes eu pedalava de lado sentado na coxa, e só o que me impelia era o pensamento reconfortante de comer alguma coisa ao chegar, por isso coloquei na cabeça que tinha que terminar logo.

Coloquei o resto de minhas reservas e me concentrei pra esquecer o cansaço, de acordo com Filipi e com meu odômetro, faltavam uns 5 km e eu acompanhava o ciclocomputador a cada 100 metros. Acabei alcançando Luizão naquela ladeira que não acabava nunca. A noite tinha chegado e meu plano agora era chegar logo para pedir a Filipi que pegasse o Alessandro. Filipi me ligara avisando que nos esperaria na entrada da cidade.

Por fim, eu e Luizão chegamos no ponto onde estavam Billy, Simone e a pequena Giovanna, e a primeira coisa que fiz foi me deixar cair em um gramado ao lado da estrada. Filipi foi em busca de Alessandro e fomos esperá-los em uma espécie de parada com lanchonetes, onde pude comer alguns doces e sucos para poder voltar a vida. Mas não havia parado ali, apesar de estar com uma ligeira vontade de não botar mais a bunda no selim da minha bike, eu e Luizão ainda pedalamos até a casa de Filipi, pois com as bikes não poderíamos ir dentro do carro. Por vezes agarrávamos na janela do carro deles para pegar carona e por fim chegamos. Depois de um dia inteiro pedalando, aquele banho quente era como nascer de novo, mas eu só fiquei feliz mesmo quando me vi a caminho de uma churrascaria rodízio, onde cada um comeu até quase passar mal.

O planejado era voltar no domingo mesmo mas, estava tarde e não daria pra pegar o último ônibus, então aceitamos o convite de Simone e Billy e dormimos lá. No dia seguinte, a aventura não tinha acabado, acordamos meio em cima da hora e tínhamos uns 20 minutos pra estar na rodoviária, mas teríamos que ir pedalando pois as duas bikes não cabiam no carro junto com a gente. A carona agarrada na janela foi decisiva para que conseguíssemos chegar a tempo. Nos despedimos de Filipi e embarcamos no ônibus, que, claro, voltamos dormindo.

Depois de tirar as bicicletas do bagageiro do ônibus percebi que ainda teria de pedalar da rodoviária até em casa e lá fui eu com Luizão, pois Alessandro, que deixou a sua bike com Filipi, foi de ônibus.
Com sorte deu tudo certo e ainda pude chegar mais cedo no trabalho naquela segunda-feira que encerrava nosso fim-de-semana de aventuras!

Deixe uma resposta