Quando cheguei nesse ponto, os dois me disseram que a próxima escalada eu guiaria, pois era o meu estilo! Aceitei prontamente, mas desconfiando que estilo seria esse… Dois grampos e uma curva depois, descobri que só poderia ser o estilo de se fuder, porque eu estava numa rampa de aderência bem inclinada com somente um entalamento de mão à esquerda e uma pedra formando uma espécie de canaleta onde eu empurrava minhas costas contra para não escorregar. Abaixo de mim somente o vazio. A mochila atrapalhava muito com as botas volumosas dentro e, em alguns pontos, não era possível entalar a mão esquerda. Começou a passar pela minha cabeça desistir, senti escorregar um pouco, blasfemei pela lama do diedro inicial na minha sapatilha, o grampo que era longe, tentei tirar um friend, me preparei para uma queda linda de uns dez metros, pêndulos, ficar pendurado no vazio…
A expedição de última hora do Dedo de Deus me pegou de surpresa. Meia noite já estava eu tendo que decidir se encontraria a galera as 4:30 pra escalar mais uma vez esta montanha. Aí já viu, tudo igual: não dormi arrumando equipo, costurando a sapatilha e mochila, carregando pilha…
No grupo estavam eu, Adriana Lima, organizadora da rabuda, Maurinho, o nosso guia, Mirthis, nossa visitante e conterrânea do pernambucano José Teixeira, o conquistador do Dedo de Deus, Hammes de Petrópolis e Dantas de Terê também vinham conosco.
Começamos a trilha um pouco tarde pra variar, às sete da manhã, e tivemos um pequeno atraso na chaminé das Pedras Soltas, pois a corda fixa foi retirada para manutenção e fomos obrigados a escalar pelo diedro da esquerda que estava meio úmido e cheio de mato. Os trechos sucessivos de cabos de aço, também atrasaram um pouco o nosso grupo e, quase na base da via, Adriana sugeriu que desistíssemos, pois a volta seria no escuro. Nisso, um imprevisto fez Dantas precisar voltar, suas sapatilhas haviam se desprendido da mochila. Uma delas nós conseguimos resgatar no meio do mato, mas a outra seria preciso de uma busca pelo caminho para achá-la. Me ofereci para voltar procurando, mas acabamos decidindo que voltariam Mauro, Adriana e Dantas, enquanto eu guiaria Mirthis e Hammes. Após instruções de Maurinho, partimos para nossa aventura.
Escalaminhamos pedras e raízes, um entalamento curto e apertadinho, minha corda embolou e fui obrigado a descer rapelando em uma árvore para soltá-la enquanto Mirthis e Hammes se adiantaram escalando o trecho seguinte até o platô de árvore.
Quando cheguei nesse ponto, os dois me disseram que a próxima escalada eu guiaria, pois era o meu estilo! Aceitei prontamente, mas desconfiando que estilo seria esse… Dois grampos e uma curva depois, descobri que só poderia ser o estilo de se fuder, porque eu estava numa rampa de aderência bem inclinada com somente um entalamento de mão à esquerda e uma pedra formando uma espécie de canaleta onde eu empurrava minhas costas contra para não escorregar. Abaixo de mim somente o vazio. A mochila atrapalhava muito com as botas volumosas dentro e, em alguns pontos, não era possível entalar a mão esquerda. Começou a passar pela minha cabeça desistir, senti escorregar um pouco, blasfemei pela lama do diedro inicial na minha sapatilha, o grampo que era longe, tentei tirar um friend, me preparei para uma queda linda de uns dez metros, pêndulos, ficar pendurado no vazio, mas consegui me acalmar e descansei um pouco. Foi aí que “revolucionei” a escalada como a conhecemos, com uma nova técnica – a cobrinha. Fui me arrastando em convulsões que lembravam uma minhoca e deu certo… No platô acima, me ancorei numa árvore, pois não vi o grampo acima e chamei meus companheiros com muita dificuldade, pois não conseguíamos manter contato por causa do barulho do vento. Primeiro veio Hammes que ligou pro celular de Mirthis para que viesse após. Neste lance, Mirthis sofreu uma queda e ralou um pouco as costas da mão direita q estava no entalamento. Depois me dei conta que aquele trecho era o conhecido lance da Maria Cebola. Não sei o porquê do nome, deve ter alguma ligação com chorar…
O próximo lance era uma chaminé de uns quinze metros e não conseguíamos ver os grampos. Ligamos para Maurinho para confirmar o caminho e ele nos disse que havia um grampo no meio da chaminé, em cima de uma pedra entalada. Subi primeiro, mas pelo lado de fora e percebi que teria que passar num pequeno buraquinho entre duas pedras entaladas para poder continuar do lado de dentro da fenda, assim o fiz e continuei pelo outro lado até chegar em um platô que ventava assustadoramente, me ancorei num grampo e chamei meus companheiros. Fizemos um esquema para içar as mochilas, um ficava no meio da chaminé e passamos as mochilas assim de um pro outro. Mirthis veio por último em sua primeira expêriencia numa chaminé. Mais algumas chaminés depois ela já estava bem confiante.
Chegamos numa grande gruta que eu reconheci ligar por um túnel o finalzinho da Via Teixeira que fica do lado oposto do Dedo e fiquei na dúvida, sobre o caminho. Mais uma vez ligamos para Maurinho, que foi muito importante com suas instruções do “Disque-Montanha”. O caminho seria por entre umas pedras à direita, logo na entrada da gruta, mas que era meio esquisito pra mim, já que éramos obrigados a transpor um vão. Imprensando as costas contra o teto consegui ir subindo e protegendo a corda com um friend até finalmente visualizar a escadinha para o cume. Deviam ser umas cinco e quinze da tarde! Mirthis veio em seguida e depois de içarmos sua mochila ela partiu primeiro em direção ao topo, galgando cautelosamente os degraus daquela escadinha que ligava duas pedras com uma fenda entre elas de uns 20 ou 30 metros de altura.
Agora o vento tinha parado dando uma sensação de calma e tranquilidade bem oportuna para transpor aquela escadinha tenebrosa. Do seu último degrau para a pedra, é necessário contar com a ajuda de algumas agarras para o pé e as mãos e por breve instante ficamos na beirinha da pedra. Mesmo sem vento eu subia calma e concentradamente degrau por degrau, para não fazer aquela estrutura balançar mais do que já balançava. Mas parece que no último degrau, alguém de implicância, ligou a turbina.
Abracei a escada e esperei um minuto ou dois pelo término das rajadas, meu anorak fazia um barulho grande com o vento e parecia um macacão de paraquedista se batendo frenéticamente. Era curioso que apesar do vento intenso, não havia nuvens no céu e na primeira pausa da ventania, tratei de sair dali rapidinho e encontrei Hammes e Mirthis já assinando o livro de cume lá no topo.
A alegria era evidente em todos, Mirthis nos revelou que chorara ao chegar no cume. Eu não consegui relaxar muito pensando em iniciar a descida o mais rápido possível e após deixar um breve registro no livro de cume, peguei a corda de hammes para ir preparando o rapel. As duas cordas nos possibilitaram descer direto, pulando a parada no meio do paredão.
No segundo rapel, utilizei um grampo do trecho em artificial da via Teixeira para costurar a corda, direcionando minha descida para o plato mais abaixo. Do contrário, eu seria obrigado a descer fora do platô com o abismo abaixo de mim e com um impulso de pé na beirada dessa plataforma de pedra, criar um pêndulo que me fizesse pousar em chão firme. Eu ainda não tinha feito essa manobra e não seria ali de noite que eu tentaria. Mas após minha descida, enquanto eu fazia a segurança de Mirthis para direcioná-la pro platô, nossa companheira teve problemas após travar o seu cordelete no prussik para soltar a costura do grampo. Cansada, tentava soltar o nó blocante que impedia o prosseguimento de sua descida. Hammes, que estava mais perto dela do que eu, tentava passar instruções de como aliviar seu peso da corda para afrouxar o nó. De baixo, eu tentava entender o que acontecia e sugeri que enrolasse a corda no pé para poder ascender um pouco. Finalmente Mirthis conseguiu liberar o seu freio e descer. Logo depois veio Hammes.
Mais dois rapéis depois já estávamos nos cabos de aço. Eu já começava a sentir os efeitos da falta de comida e não aceitava ter esquecido um pacote de biscoitos no carro de Adriana.
Quando chegamos no último rapel, tomei uma decisão errada que nos atrasou uns 40 minutos, querendo nos poupar de um último lance de cabo de aço de somente 5 ou 6 metros, utilizei um grampo simples no início do cabo para armar nosso rapel com uma corda somente, ao invés de utilizar o grampo duplo no final do cabo. Foi o suficiente para não alcançar a próxima parada. No final da corda, pendulei para o lado direito e me ancorei nos cabos de aço usados para a subida. Me soltei da corda e pedi ao pessoal que recolhesse a corda e armasse o rapel com as duas cordas, desta vez na parada dupla. Assim fizeram e Mirthis desceu, passando por mim e deixando a ponta da corda para que depois eu pudesse continuar. Voltando à trajetória inicial, chegou na parada dupla e se ancorou, liberando a corda para que eu me preparasse. Lá fui eu.
O rapel é um dos momentos em precisamos do máximo de atenção, pois qualquer erro pode ser fatal. À noite então qualquer pedacinho de corda embolada se torna um transtorno. E não faltou transtorno enquanto eu pendulava de um lado pra outro, procurando grampo, tentando me desvencilhar do mato espinhento do diedro e da chaminé da direita.
Felizmente achei um grampo que usara para proteger enquanto escalava o diedro. Lá paramos nós três meio desconfortavelmente antes de partir pro último rapel rumo ao início da trilha.
Em chão firme, relaxamos, com a falsa sensação de chegada, mas ainda faltavam 40 minutos de trilha erodida morro abaixo.
Parecia que meu corpo sentia de uma vez só todo o cansaço, fome e sono que eu evitei tomar conhecimento durante todo o dia. Minhas pernas estavam completamente bambas e fui até o asfalto tropeçando e me apoiando na vegetação. O som dos carros na estrada após algum tempo nos dava a impressão de que a trilha acabaria na próxima curva. Mas por fim acabou e lá estávamos caminhando no acostamento da serra de Teresópolis, rezando para os caminhões que desciam à toda não perdessem a direção na nossa curva.
Não foi somente nós três que ficamos destruídos com essa aventura – mais eu e Mirthis do que Hammes. Quando chegamos no estacionamento onde Cristiano Hammes parara seu carro, ao lado do restaurante Paraíso da Serra, encontramos o veículo com os quatro pneus arriados, placa e limpador de parabrisa arrancados, farol afundado, capô arranhado.
Diante daquela situação, só restou a mim e Mirthis sentar no chão de cascalho, imaginando com seria bom tirar um cochilo dentro do carro quentinho. Sugeri a Hammes que ligasse para Maurinho, pois talvez ele tivesse uma bomba de bicicleta para enchermos os pneus o suficiente para chegar a um posto. Já estava me conformando em bombear por uns 15 minutos cada pneu…
Hammes, que não demonstrava cansaço aparente, andava de um lado para o outro e correu atrás de uma caminhonete de serviço da estrada. Eles passaram um rádio para um reboque que nos levaria até o posto. Momentos depois, Maurinho chegou também para nos dar uma carona. Só lembro de ter acordado lá na casa da família de Maurinho, em Teresópolis.
Na cozinha, havia um panelão de macarrão que sua mãe fizera já pensando no nosso estado. E depois de um banho quente, dormi que nem uma pedra no sofá. Amanheci coberto. Hammes já havia saído pela manhã. No domingo ainda teve um ótimo almoço em família – eu já estava até me sentindo parte dela – e depois de muito relembrar e rir das estórias fomos passear e encontrar com Camila antes de retornar para o Rio. Camila e Mirthis pareciam duas irmãs se abraçando felizes de se encontrarem.
Agradeço imensamente à família de Mauro Mello por nos receber tão bem em sua casa. Em especial também um agradecimento a pessoa desconhecida que me cobriu durante a noite.