Degelo nos Andes ameaça todo o continente

A face visível do aquecimento global está nos Andes. A mais longa cadeia de montanhas da Terra perde suas geleiras num ritmo que impressiona especialistas e preocupa governos. Não A face visível do aquecimento global está nos Andes. A mais longa cadeia de montanhas da Terra perde suas geleiras num ritmo que impressiona especialistas e preocupa governos. Não se trata de previsão, mas de um fenômeno em curso. À medida que as grandes geleiras andinas desaparecem, aumenta o risco de falta de água, perdas agrícolas e redução do potencial hidroelétrico para a maioria dos países da América do Sul. O Brasil, distante da cordilheira, não está imune. Nascentes de afluentes do Rio Madeira, onde o governo federal vai construir hidroelétricas de Santo Antônio e Jirau, estão nas geleiras da Cordilheira Oriental da Bolívia, afetadas pelo derretimento.

Os cientistas alertam que é um fenômeno em curso há anos sobre o qual ondas de frio muito intenso ocasionais, como a que castiga este mês parte da América do Sul, não têm efeito. O glaciologista Jefferson Simões diz que a situação dos Andes da Bolívia é dramática. Os chamados Andes tropicais são mais vulneráveis à elevação da temperatura e as geleiras da Bolívia tiveram drástica redução. Elas estão restritas às áreas altas das montanhas mais elevadas.

— Qual o impacto da variabilidade das geleiras na vazão dos rios e suas conseqüências para as barragens? As geleiras estão em franca redução e isso tem conseqüências — alerta Simões, representante brasileiro no Grupo de Trabalho de Neve e Gelo, uma rede latino-americana de pesquisa ligada à Unesco, e coordenador do Núcleo de Pesquisas Antárticas e Climáticas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o único grupo do Brasil que estuda geleiras.

Maioria das geleiras já perdeu área  Há dois tipos de conseqüência. A primeira — mais imediata — é o aumento do volume de sedimentos lançado nos rios, com implicações nos processos de erosão. A segunda, a médio prazo, diz respeito ao volume de água propriamente dito.

O grupo de Simões, em colaboração com colegas sul-americanos, monitora os Andes da Bolívia com o satélite sino-brasileiro CBERS-2.

— Não temos geleiras no Brasil, mas precisamos delas. As bacias do Amazonas e do Paraná têm a água do degelo em suas origens. Uma alteração da magnitude da que tem sido observada afeta o balanço hídrico e a erosão. Causa transformações nas bacias das quais dependemos para água potável, irrigação e energia. A retração do gelo terá profundo impacto social e econômico na América do Sul — diz Simões.

Os Andes são a cadeia de montanhas menos estudada da Terra. Vastas regiões foram parcamente mapeadas ou são terra incógnita.

Ainda assim, estima-se que de 80% a 90% das geleiras mapeadas tenham perdido até 30% de sua área desde a década de 60.

— E só cerca de 30% das geleiras andinas foram mapeadas — destaca Simões.

Geleiras são grandes reservatórios de água.

São elas que provêm água na estação seca para alimentar os rios de origem andina. À medida que se retraem e degelam, num primeiro momento aumenta o fluxo de água. Mas depois, ele se torna cada vez menor, até se extinguir por completo.

— Não sabemos exatamente o que vai acontecer com os rios. Isso só começa a ser estudado agora. Mas sabemos que o Brasil não é imune a problemas globais, como as mudanças climáticas. E algumas das geleiras bolivianas nem ficam tão longe assim, estão a cerca de 600 quilômetros da fronteira com a Bolívia — frisa o pesquisador gaúcho.

Não é preciso ser especialista para ver o que acontece.

— A linha de neve, isto é, a altitude em que a neve não derrete mesmo no verão está cada vez mais alta. Isso significa menos água congelada acumulada — explica o climatologista José Marengo, do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC/Inpe), em Cachoeira Paulista, São Paulo.

Ele diz que estudos no Peru revelam um claro degelo.

— Com o derretimento, a água começa a arrastar para os rios imensa quantidade de sedimentos.

Os rios parecem até mais volumosos.

Mas o aumento de fluxo não é de água, é de sedimentos trazidos das montanhas.

Segundo ele, os rios do Peru, onde está a nascente do Amazonas, já carregam mais sedimentos.

Rodolfo Iturraspe, coordenador do Grupo de Neve e Gelo e pesquisador do Centro Austral de Investigação Científicas, em Ushuaia, na Argentina, frisa que a nascente do Rio Amazonas recebe uma contribuição importante das geleiras andinas.

— É por isso que há um representante do Brasil no grupo de neve e gelo. O Brasil tem muita água, e as chuvas da Amazônia são sua fonte primordial. Porém, para países (que usam hidroeletricidade) como o Brasil, cada metro cúbico de água que se perde é energia que não se produz. Para os brasileiros o problema não tem a mesma relevância que para a Bolívia e o Peru, mas não é pequeno — frisa Iturraspe. 

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