Imagens domésticas e amadoras são a tendência no segundo dia da Mostra
Imagens domésticas e amadoras são a tendência no segundo dia da Mostra
Com essa, o finado Glauber Rocha não contava. Sua máxima “uma idéia na cabeça, uma câmera na mão” foi apropriada ao contrário por alguns cineastas brasileiros e estrangeiros no segundo dia da 7 ª Mostra Internacional de Filmes de Montanha. Com o Cine Odeon, no centro do Rio de Janeiro, quase lotado, a diferença técnica entre os filmes brasileiros e estrangeiros fez (muita) diferença.
Na mostra nacional, “Itatiaia, visto por dentro”, de Christian Spencer e Gibby Zoel, é um pop-documentário sobre o parque do título. Pena que o cinegrafista fosse tão inexperiente: a exuberante vida animal da reserva esmaece em planos sem foco, trêmulos, mal-iluminados. O pop lá de cima se deve ao fato de que houve a tentativa de ajeitar as coisas na edição, com efeitos do tipo solarização e música bem alta. Não deu certo.
Já “Travessia Lapinha Tabuleiro”, é, na verdade, um programa feito para a TV Cultura. Transpira alegria e bom humor juvenis, graças, principalmente, à repórter Juliana Franqueira, brejeira e mineiríssima. A travessia tem seus momentos emocionantes, a fotografia é correta, tudo funciona bem.
Daí para frente começa a sessão câmera na cabeça. "6.882 – Vulcão Pissis", de Aníbal Sciaretta, inicia como uma peça institucional e ganha ritmo graças às imagens feitas por uma câmera amadora. Dois amigos fazem a escalada do tal vulcão, e ainda bem que levaram a câmera fotográfica: eles filmam muito mal! Entretanto fotografam bem, graças aos céus. Que são lindos lá no alto dos Andes.
O melhor estava por vir. “Aconcagua Sin Mulas”, de e com Paulo Marim Junior – doravante chamado de Junior – revela um aventureiro tenaz, muito engraçado e que sobe o pico mais alto das Américas sozinho, levando uma enorme mochila de 50 quilos! Nos 35 minutos de filme há momentos divertidos, que Junior valoriza com observações auto-irônicas. Sorte que montanhista-cinegrafista levou a fotográfica, clicando paisagens e cenários de tirar o fôlego. Junior é melhor que seu filme.
A final da sessão, se percebe que a produção brasileira é precária e se apóia no registro doméstico. E quase todos sofrem do mesmo mal na trilha sonora, o tal do rock andino. É de tirar qualquer cidadão do sério.
É claro que não dá para comparar as mostras, mas na internacional também dá para perceber como a exuberância técnica encobre o vazio dos roteiros. “2nd Base” vive das impactantes imagens do base jump. Dotados de roupas especiais, os ícaros planam à vontade antes de abrir o parapente. A platéia, é claro, reage aos gritos a cada seqüência com câmeras penduradas no corpo dos saltadores. Mas é só.
“Tyrol – Land in The Mountains”, com fotografia estonteante e música de Phillip Glass, tem contados 10 minutos sobrevoando esta região alpina através das quatro estações. É tão belo e bem feito que parece propaganda. E é, o governo austríaco bancou boa parte da produção.
Bons mesmos são os filmes seguintes. “Aweberg”: dois experientes escaladores de gelo cavalgam icebergs soltos no mar. Não dá para ficar sossegado cada vez que se ouve o som da picareta batendo no gelo – a qualquer momento, o iceberg pode se partir, virar… E “Patagonia”, impressionante aventura levada a cabo por dois noruegueses que atravessam o Gelo Continental do extremo sul, em uma viagem de 43 dias. Também nestes dois filmes há imagens captadas pelos próprios aventureiros, mas que diferença…
Bem usadas, as câmeras amadoras são um auxiliar poderoso no registro documental. Mas é bom que se saiba ao menos operá-las, porque poucos têm o savoir-faire do Junior “Sin Mulas”, que transformou a bagunça da filmagem em uma divertida – e real – aventura no Aconcagua. Com 50 quilos nas costas, ele mesmo era a mula!