Aconcagua Sin Mulas

Nido de Condores

No dia seguinte, meus colegas de refúgio resolveram descansar, mas fui tratar de me adiantar e levar algum equipamento para a montanha. Minha ideia era fazer como o casal argentino, que armou novo acampamento em Nido de Condores, pulando o primeiro, Plaza Canadá. Mas depois de conversar com o pessoal do Refúgio e alguns porteadores, fui convencido que pelo horário – 11 da manhã -, eu teria que ir somente até Plaza Canadá, o acampamento um. Eu então tentaria fazer como Wally e Cláudio, que planejavam subir no dia seguinte, pegar as coisas em Canadá e partir pra Nido. Arrumei minha mochila com uns cinco bujões de gás, os crampons e piolet, entre outros e comecei a subida devagar. Levava somente um bastão de caminhada, pois o outro eu já havia quebrado quando me desequilibrei num penitente a caminho do Cerro Bonete e caí em cima dele. Caminhando devagar, procurando sempre o caminho que ziguezagueava, ao invés dos que subiam reto, confesso que achei que fosse mais perto, mas enfim cheguei no acampamento um.

O tempo começava a fechar e nevava. achei estranho, pois ouvimos falar que a meteorologia previra três dias de tempo bom, contando com aquele. Me preocupei, ventava e o local não tinha abrigo. Eu usava as luvas da segunda pele e outras de fleece, que estavam encharcadas de suor. Parado ali, colocando os equipamentos no lugagge bag para deixar por ali, sentia meus dedos gelarem e tive a infeliz ideia de tirar as luvas para “arejar”…

Não demorou nem um minuto e senti os dedos ficarem duros. Rapidamente, recoloquei os dois pares de luvas, mas não adiantava mais. Não havia o que aquecesse minhas mãos e, assustado, com os dedos rígidos e dormentes, removi como um raio as luvas congeladas e enfiei as duas mãos dentro das calças! Que alívio, voltava a ter a sensação de tato outra vez. Ainda tive que mudar a posição das mãos dentro das calças, procurando um lugar quente novamente, pois meus testículos já estavam frios. Que susto, por sorte, trouxera um par de mitones e cobre-mitones, que, combinadas, aquecem bem, e na mochila, permaneciam secas. As cobre-mitones servem para cortar o vento e, como o nome diz, vão por cima das mitones, grandes e fofas luvas de pena de ganso com dois dedos. Terminei de colocar algumas pedras em cima do saco azul de nylon que eu deixaria lá, tranquei com um cadeado e me apressei para descer, pois o período de luz ia terminando. A descida lembrava a do Cerro Bonete, e, após alguns tombos tentando me filmar descendo, após descobrir que o bastão que eu usava quebrara-se também e após uma hora descendo o que eu levei umas seis ou sete subindo, cheguei em Plaza de Mulas .

No dia seguinte, meus colegas todos partiriam para a montanha, deixando o acampamento base e restava a mim decidir se descansava um dia no base como fizeram os quatro ou se os acompanharia. Era muito chato ver todo mundo partindo e eu lá de castigo, por isso resolvi me adiantar e ir com a galera. Sebastian e Carolina saíram mais cedo, por volta de 9 horas, para poder chegar em Nido a tempo. Nosso plano era pegar as coisas em Canadá e partir pra encontrar os argentinos em Nido, logicamente, teríamos que sair junto com os argentinos. Mas nós, brasileiros, só deixamos o Hotel Refúgio por volta de 11 horas depois de armazenar num quarto do hotel, o equipamento que não seria usado na montanha.

Tive que cuidar de detalhes como o aluguel de bastões e barraca, já que minha barraca mal aguentava o vento da base, quanto mais do alto da montanha. Wally ofereceu para que eu subisse com a barraca Lafuma que ele deixaria no acampamento base, mas fiquei receoso de danificá-la, caso pegássemos alguma tempestade. Rodei pelas tendas das expedições comerciais, mas só fui conseguir alugar o que eu precisava no próprio Hotel Refúgio. Comprei fita Mini-DV para a filmadora e carreguei minhas pilhas e baterias no hotel. Nos despedimos do pessoal e partimos. Me lembrei da apreensão que senti imaginando o momento que eu teria de largar a segurança e o conforto do acampamento base e meter as caras lá pra cima. Era esse o momento.

Subindo para NidoNovamente estava pisando lentamente, pé ante pé, pela trilha marcada no gelo do penitente, onde começava o caminho para os acampamentos superiores. Wally e Cláudio se distanciaram pois de vez em quando eu parava para filmar ou fotografar. Quando chegamos em Plaza Canadá, percebemos que ali seria o local de nossa primeira pernoite na montanha. Estávamos muito esgotado, mas principalmente a poucas horas de começar a escurecer pra fazer ainda o percurso até Nido de Condores.

Consenso geral, armamos nossas barracas e tratamos de derreter neve e comer. Aquele dia estava incrivelmente sem vento, com um sol forte e céu azul. Nos animávamos com as condições do tempo.

No dia seguinte, acordei com uma preguiça de levantar acampamento e deixei Wally e Cláudio irem na frente rumo à Nido de Condores, nosso próximo acampamento. Vários grupos passavam subindo, outros chegavam ali em Canadá. Um porteador chegava trazendo um tonel azul de plástico amarrado à mochila. Eu já avistava a dupla de amigos longe, quando terminei de arrumar minhas coisas e comecei a andar.

Era engraçado, podia-se avistar todo o caminho até Nido e o local num colo da montanha acima, onde ficaria o acampamento. Mesmo assim saberia que demoraria um pouco para chegar lá. Agora estávamos com o peso todo, dos equipamentos deixados em Canadá na primeira ascenção e dos equipamentos trazidos na segunda. Apesar do trecho entre Canadá e Nido ser mais suave, avançávamos lentamente.

Porteo
Porteo

Eu forçava um pouco para tentar me aproximar de meus amigos e encostei num grupo grande à minha frente. Que situação engraçada, todo mundo andando demasiadamente lento e eu imaginando como conseguiria ultrapassá-los. Ousei um pouco e, ofegante, saí da trilha pela direita para tentar andar mais rápido do que eles.  Naquele meu esforço, não corria, somente andava um pouco menos devagar, o que já m exigia muito, e aquela situação me fez imaginar uma ultrapassagem radical numa corrida de tartarugas ou caracóis.

Levei vários minutos, mas consegui. Não sei se estava mais leve que meus colegas, ou melhor aclimatado, mas os alcancei quando fizeram uma parada. E empolgado que estava, continuei na frente até chegar em Nido, horas depois. Havia muitas barracas, mas o local era bem amplo e com grandes porções de neve. Procurei pela barraca dos argentinos, que segundo eles, estariam ao lado de uma cabine de guarda-parques. Não achei nada parecido e joguei minhas coisas próximo a uma grande tenda, que poderia ser a dos guardas e esperei por meus colegas para escolhermos o lugar do nosso acampamento. Olhando para cima o cume parecia cada vez mais perto.

Ao chegar, Wally mostrou o local da Canaleta, trecho final e crítico da rota normal. Apesar de desgastados com a subida até ali, não sentíamos nenhum sinal grave de má aclimatação, o tempo continuava paradisíaco, e cheguei a marcar 30 graus no termômetro ao sol, em momentos de nenhum vento. Clima totalmente atípico para aquela montanha que é temida pelos fortes ventos.

Aconcagua 302Aquelas condições nos fizeram arriscar e mudar a estratégia para tentar atacar o cume logo na manhã seguinte de Nido mesmo, sem acampar em Berlim, o acampamento três, aproveitando aquela janela de tempo bom antes que ela se fechasse. Muita gente usa essa estratégia, alguns falam que passar a noite em Berlim é horrível e aquela sensação de proximidade com o cume nos deixava confiantes. Conhecemos duas coreanas lá em Nido que também atacariam o cume no dia seguinte e marcamos de sair juntos as 4 da manhã.

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