Fui convidado pela veterinária Silvia Bahadian para ajudar de forma modesta e voluntária no projeto de reintrodução dos Bugios no Parque Nacional da Tijuca. Silvia é funcionária do Inea e tratou dos bugios no período em que estiveram no Centro de Primatologia do Estado do Rio de Janeiro (CPRJ/INEA), em Guapimirim.
No século XIX grande parte da área hoje protegida pelo Parque era ocupada por cafezais. O Maciço da Tijuca também foi muito empobrecido pela caça e destruição de habitats durante o processo de colonização e ocupação do Rio de Janeiro. Os esforços de reflorestamento aliados ao processo de regeneração natural resultaram na floresta que temos hoje. No entanto, muitas espécies que desapareceram deste habitat nunca retornaram. Com a criação do Parque Nacional em 1961, diminuição da cultura da caça na população urbana e aumento da colaboração entre a administração do PNT e as instituições científicas do Rio de Janeiro, avalia-se que agora existem condições para propiciar o repovoamento da segunda espécie reintroduzida, o bugio (Alouatta guariba), também conhecido pelos nomes macaco-barbado ou somente guariba e que estava ausente do local havia mais de cem anos, segundo estimativas de pesquisadores.
A soltura do primeiro grupo aconteceu no dia 4 de setembro depois que dois casais de macacos passaram oito meses no Centro de Primatologia para realização de exames, quarentena e formação do grupo social. Um período em um viveiro instalado dentro do Parque permitiu a adaptação gradual ao ambiente natural e adequação da dieta, com inclusão gradual de folhas e frutos típicos de Mata Atlântica. A soltura do primeiro grupo foi um sucesso. Os dois animais oriundos de apreensões saíram mais rapidamente e já exploram o ambiente do entorno, enquanto os dois nascidos em cativeiro ficaram mais próximos ao viveiro, mas o grupo manteve sua coesão.
Os animais estão monitorados via rádio e possuem colar transmissor. Nas fêmeas o colar foi instalado ao redor do pescoço e nos machos, devido à largura da garganta, o seu equipamento natural para a emissão do guincho característico, o colar foi preso a uma pata traseira. Mas com o passar dos dias, os pesquisadores perceberam que os macacos permaneciam ainda muito próximo das instalações e frequentemente eram vistos na estrada.
A interação com humanos deixa o pesquisador Fernando Fernandez animado, mas também preocupado. “Espero que a reação das pessoas seja boa, porque são bichos muito carismáticos. O que eu recomendo é que se mantenha distância, não se tente interagir com ele, e por favor não se dêem comida a eles, o que pode fazer mal. Observe e curta os bichos porque eles são muito legais, mas guarde distância. ”
A ideia então foi tentar afastá-los do possível contato prematuro com os humanos e a forma que encontraram foi voltar a alimentá-los temporariamente com frutas, mas através de uma espécie de elevador suspenso em uma alta árvore.
Minha função era então instalar uma roldana com uma corda mais adentro na mata a 15 ou 20 metros de altura para que um caixote pudesse ser içado com alimentos. Utilizando técnicas de escalada artificial em rocha adaptadas para a progressão em um grosso tronco esfarelento, depois de 3 horas estava feito o serviço. No dia seguinte os animais já perceberam a nova função que o estranho dispositivo teria nos próximos dias. Os machos tiveram um pouco mais de facilidade para se alimentar devido à distância que o caixote ficou do galho mais perto, mas o aparato cumpriu o objetivo..
Fiquei muito feliz em poder dar uma pequena contribuição a esse projeto incrível. Tive a possibilidade de estar a poucos metros daquelas criaturinhas de expressões humanas que eram capazes dos graves e impressionantes guinchos que eu ouvi de longe na ocasião em que remei de caiaque em torno da Ilha Grande. A região possui grande população deste macaco. Aliás, na última ventania que tivemos na floresta já se pôde ouvir o novo grupo de bugios vocalizando:
O projeto prevê ainda a soltura de mais dois grupos nos próximos dois anos, com o objetivo de estabelecer uma população viável de bugios na Floresta da Tijuca. Os primeiros mamíferos devolvidos ao PNT foram as cutias (Dasyprocta leporina) há seis anos.
O Projeto REFAUNA é uma parceria entre universidades do Rio de Janeiro (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Rural do Rio de Janeiro e Instituto Federal do Rio de Janeiro) e várias outras instituições como o Instituto Chico Mendes (ICMBio), o Instituto Estadual do Ambiente do RJ (INEA), a Prefeitura do Rio de Janeiro (Fundação Parques e Jardins e Fundação RioZoo), a Fundação Instituto Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e o Centro de Reabilitação de Animais Silvestres da Universidade Estácio de Sá. Além disso conta com financiamento de recursos da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.